Os desagradáveis senhores da razão

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Léo Rosa de Andrade (*)

Há quem constitua algumas ideias como apoio explicativo dos afetos, dos fatos e mesmo do mundo, todavia admite que outro\as possam compreender diversamente as mesmas questões. Há, contudo, quem não aceite – e nem saiba – que o seu entendimento seja apenas um dentre tantos outros possíveis.

Estas pessoas estão convencidas de que a sua compreensão não é nada mais, nada menos do que a verdade. Assim, elas não têm uma opinião; são assertórias, ditam certezas. Em geral, nós achamos que elas são chatas. De fato, são chatas, mas também são mais e pior do que isto: são perigosas.

Gente assim – em público percebo mais homens – só pontifica; é enfadonha e autoritária. Ao nos obsequiar com os seus infalíveis conhecimentos, crê nos conduzir por nossos dias futuros. Fala-nos com olhar blasé, convicta de que nos concede uma graça: salva-nos da ingenuidade, da ignorância, da alienação.

Estas pessoas desagradáveis supõem-se entendidas de muito sobre tudo. Acreditam-se técnicas de futebol, grandes amantes; dirigiriam melhor a empresa; governariam bem melhor o Brasil. Se lhes dermos corda, ouviremos que dariam um jeito no mundo. E é no “jeito no mundo” onde pretendo chegar.

Imagino o que é conviver com semelhantes tipos como colega de trabalho ou escola, amigo\a de clube ou de bar. Ou dentro de casa: marido, pai, às vezes mãe, irmã\o. Mas, nesta dimensão doméstica, pessoal, em que tais figuras nos aporrinham individualmente, a gravidade não é maior, é só próxima.

Com um pouco de paciência, livramo-nos dele\as. Ocorre que, não raro, ele\as se organizam e desenvolvem métodos: desde mandar mensagens com suas sabedorias até comprar espaços em redes de televisão. Ficam lá, convencidos e tentando nos convencer de que têm a solução para uma vida melhor.

Nas redes sociais, formam tribos de semelhantes entre si (as bolhas de internet), fazem-se chefe\as e põem-se a jactar estupidezes. Falam com superioridade de suas convicções e nos aconselham, ou ameaçam, explícita ou veladamente, com uma vida desastrosa, com a fúria divina, com a falência profissional.

Neste estágio mais avançado de exaltação delirante, já não são impertinentes inofensivos, já não querem tão só nos convencer; querem nos redimir do que imaginam ser a nossa perdição, querem nos converter, querem-nos para eles, para a sua causa. Ainda temos, entretanto, o controle das coisas.

Gente desta natureza, contudo, às vezes, pesa. Em muitos lugares, em muitas épocas, estas pessoas, seguras de que portam a verdade, conseguem juntar sua fé com armas e algum poder e aí transformam chateação em assassinatos, guerras, genocídios, terrorismo e o que mais puderem fazer, ou cometer.

Aqui elas estão no estágio do “jeito no mundo”, com a licença moral de uma causa política, étnica, sexista, religiosa (sobretudo), ou outra qualquer. Neste ponto – se elas detêm poder –, já há pouco que se possa fazer. Iluminadas e portadoras de revelações ou ciência, por bem ou por mal, hão de vingar.

Atualmente, como soe acontecer, há muita violência ideológica ao redor do Planeta. No Brasil, notadamente, há combates fascistizados para o gáudio de figuras assim. Por detrás dessa violência, há convencido\as, presumido\as de repetição, de alguma verdade que não podem deixar de impor.

Não sabem, nem nunca vão saber, que uma verdade, qualquer verdade, é localizada, é circunscrita, ou seja, serve por algum tempo e em algum lugar, apenas. Depois, as coisas mudam e tudo o que se sabia já não prevalece; morre como valor. Sobra só um saudosismo da própria imaginação imobilizada.

Assim caminha e, espero, caminhará a humanidade. Se alguém, aliás, tivesse uma verdade e conseguisse fazê-la a verdade do mundo, tudo seria uma mesmice enfadonha. A própria História – História do existir – perderia o sentido. Sairia a epopeia humana, ficaria o registro de uma sempre repetição do igual.

Que tristeza: ninguém mais terçaria ideias, a vida ficaria quieta, os argumentos intelectuais perderiam a emoção. Ainda bem que alguns (estes chatos de bar, de casa, de terrorismo, de igrejas, de internet ou de televisão) têm exatamente uma única e “verdadeira” razão, mas a maioria de nós, felizmente, não.

(*) É Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista.

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