Opacidade moral

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José Renato Nalini (*)

A transparência é um valor que ganhou força nos últimos tempos. Em lugar do sigilo, da tendência a esconder tudo aquilo que acontece dentro das paredes impenetráveis do Estado, a sociedade acordou e quis saber o que se faz com o dinheiro dela.

Afinal, o Estado existe para coordenar as atividades e para garantir o mínimo existencial a todos os indivíduos. Precisa ser correto na aplicação dos recursos, parecer correto e mostrar que é correto.

Por isso interessa acompanhar o que acontece no mundo e repercute no Brasil, quanto à percepção da corrupção. Esta existe. Em várias escalas. No mundo micro e no mundo macro.

É uma questão cultural, que pode ser reforçada pela educação. Uma formação escolar qualitativa primaria por transmitir ao alunado noções básicas de moral cidadã. Não é difícil mostrar ao educando que as necessidades são infinitas e crescentes e que a capacidade de atendê-las é limitada por uma série de razões.

A população cresce e os problemas também aumentam com esse acréscimo. É necessário propiciar mais moradias, mais unidades de saúde, mais escolas, mais transporte, mais trabalho, mais lazer. Daí a voracidade do fisco, a reforçar os esquemas de controle e a imaginar o que mais pode extrair da sociedade.

O Brasil tem uma das cargas tributárias mais elevadas do planeta. Paradoxalmente, quem mais se prejudica com o peso dos impostos é o pobre. Este é obrigado a pagar a cada compra. Não consegue escapar da poderosa teia arrecadatória. Não tem como escapar, com a contratação de especializados tributaristas, hábeis ao encontrar alternativas à sanha da coleta de dinheiro do povo.

A organização não governamental Transparência Internacional divulgou o ranking da percepção de corrupção e, nele, o Brasil não faz bonito. Caiu dez posições na relação que é o resultado da avaliação entre cento e oitenta países.

O primeiro lugar, o mais honroso, está na Dinamarca e o segundo na Finlândia. A Escandinávia faz bonito, porque Noruega está em quarto lugar e a Suécia em sexto. Para tristeza nossa, o Brasil está hoje em 104º lugar, figurando ao lado de outras nações que também regrediram nesse índice: Turcomenistão, Guiné Equatorial, Haiti, Coreia do Norte e Nicarágua.

A experiência dos responsáveis pela elaboração dessa lista que deveria merecer atenção de todos, não só dos que detêm poder e autoridade, mostra que é preciso vedar os chamados “mecanismos opacos” na negociação política. Ou seja: um país que admite emendas do relator, que destina cinco bilhões para propaganda eleitoral, merece corretivo.

O Estado brasileiro é perdulário em relação a temas sensíveis, como sua própria manutenção. O crescimento da burocracia, sem que ela seja preparada e treinada para a mais severa utilização de dinheiro de cada brasileiro, é um fator que não ajuda a debelar práticas pouco republicanas.

O excesso de partidos políticos, cada qual servindo prioritariamente ao interesse exclusivo de seus integrantes, para a barganha na divisão do poder, diante da ausência de hegemonia de qualquer deles, não colabora também para a edificação de uma estrutura governamental afinada com a ética.

Embora se denomine “República Federativa”, o Brasil ainda é refém de um certo fetiche monarquista. Excesso de práticas enaltecedoras do personalismo, a volúpia das viagens em primeira classe, as excursões oficiais pelo mundo inteiro, com as comitivas precursoras e um turismo estatal que pouco representa em termos de aprimoramento de convívio internacional. Enquanto governantes da Escandinávia se utilizam de aviões de carreira e viajam praticamente desacompanhados, os tupiniquins se destacam pelas enormes e custosas entourages.

É pouco? A questão é simbólica. A praxe da gastança se dissemina pelos quase seis mil municípios, quantos deles com renda insuficiente até para o pagamento de seus funcionários e que dependem de um Fundo de Participação cuja distribuição é continuamente questionada pelos que se consideram prejudicados.

Enquanto a corrupção se sofistica e já conquistou vários pós-doutorados, a luta contra ela permanece no discurso vazio de quem nem sempre se comporta de forma compatível com a régua do respeito ao dinheiro de todos.

A batalha sem tréguas contra o desperdício, contra a gastança, contra o mau uso daquilo que é produto do suor dos mais carentes, deveria estar em todos os espaços e merecer especial empenho junto à primeira infância, prosseguindo nas demais etapas da verdadeira formação cidadã. Até se pensar na criação de uma ENA – Escola Nacional de Administração, a exemplo do que ocorre na França, obrigatória para todos aqueles que se dispusessem a servir ao governo, em qualquer esfera da peculiar Federação aqui praticada.

Em todos os setores pode se verificar o descaso com o tema. Com a nociva consequência de se considera natural o comportamento contrário às melhores práticas. Ser honesto chega a parecer sintoma de imbecilidade. E quanto isso chega ao humor, é sinal de que o retrocesso é mais intenso do que perder dez colocações no time dos que não se apercebem da podridão que envolve as entranhas do poder.

Seria interessante examinar também outros aspectos, quase sempre ignorados. Será ético paralisar obras públicas com liminares que se prolongam, gerando gastos desnecessários à Administração, sem que os responsáveis respondam pelo excesso? Onde está a preocupação do sistema Justiça com o consequencialismo explicitado no ordenamento, principalmente com o novo texto da LINDB – Lei de Introdução ao Direito Brasileiro?

(*) É Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo.

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