Vera Botta (*)
Pensar é transgredir: a decisão de nossas mulheres
Tomo de empréstimo de Lia Luft, escritora gaúcha que tem quebrado records e tabus, o título de sua última obra, na qual nos convida a viver e a nos inquietar. Sem cair em enquadramentos fáceis, mas pensando em alternativas possíveis.
Comportamento encontrado nas 166 mulheres que se reuniram no dia 17, na I Conferência Municipal de Políticas para Mulheres, voltada ao seguinte eixo: Nos organizando para mudar nossas vidas e o mundo. Diferentes nas suas origens, nas suas histórias de vida, nas formas de expressão, mulheres negras, brancas, jovens e com mais idade tinham em comum a vontade de lutar contra opressões e desigualdades.
Alguns homens corajosos se juntaram a elas. Mesmo sabendo que na hora da escolha das delegadas para as Conferências Regional e Estadual, não poderiam ser votados. Não por preconceitos, mas por força de ações positivas contra desigualdades constitutivas da sociedade.
E elas foram chegando
Inquietas e compenetradas, as mulheres se acomodaram na nossa Biblioteca Municipal e fizeram, deste sábado de abril, um dia especial. De parar, ouvir, pensar e, talvez transgredir o enraizado em nossa cultura. Deixar, por um tempo, a agenda das nem sempre prazerosas tarefas domésticas. E no lanche desfrutado, preparado carinhosamente pelo Grupo dos Salesianos, as mulheres firmaram um pacto de solidariedade: o de falar sem culpas dos seus problemas, avançando na proposta de uma agenda política p’P ra valer. Centrada no enfrentamento à violência, na geração de trabalho e de renda, nos direitos sexuais e reprodutivos, na democratização da participação.
Como escapar das ciladas da violência
Garantindo o acesso aos canais existentes e aprimorando seu atendimento. Propostas de sensibilização dos órgãos de segurança alternaram-se com clamores de melhor atendimento, por parte dos policiais e dos profissionais da saúde. Mudanças no horário de atendimento da Delegacia da Mulher, melhor capacitação de quem tem a responsabilidade de tratar de tão difícil questão….
As mulheres dissecaram a violência, levando muito a sério a necessidade de ter, de fato, uma cultura de enfrentamento, sem meias verdades. Redimensionando, sem ser pela retórica, o terreno do acolhimento, exigindo a articulação de políticas para mulheres que saem da Casa Abrigo, na questão da moradia e do emprego. Que este marco na história de Araraquara seja, de fato, o início de uma nova trajetória nas relações entre homens e mulheres, na qual a violência, visível ou invisível, simbólica ou direta, saia de cena ou deixe de ser a personagem central da difícil vivência feminina.
No mundo do trabalho, o não à discriminação
As mulheres não se satisfazem mais com gestos simbólicos ou com palavras encorajadoras de que o jogo de dominação vai mudar. 2004 foi eleito pelo Presidente como o Ano da Mulher. E daí? O que querem as mulheres?
Ampliação de direitos, no caso das trabalhadoras rurais e domésticas. Campanha de esclarecimento e de conscientização, aqui e acolá. Melhores condições para enfrentar as duras barreiras do mundo do trabalho. Que lhe seja permitido o acesso à qualificação profissional. Que a falta de experiência não impeça as jovens de trabalhar.
Bem vindas sejam as cooperativas desde que tenham efetivamente linhas de financiamento e de acompanhamento de sua gestão. Que esteja definitivamente enterrada a concepção de que as mulheres não podem ser titulares do crédito.
As donas de casa não se contentam com o “louvável atributo” de serem rainhas do lar. Querem o cumprimento das responsabilidades. Com a palavra, os poderes!!!
E por falar em direitos sexuais e reprodutivos
As palavras de ordem mostraram, de maneira forte e uníssona, a luta das mulheres por políticas de saúde que atendam às mulheres em todas as etapas da vida…Que a prevenção à gravidez indesejada caminhe, passo a passo com a educação dirigida a métodos contraceptivos femininos e masculinos. E que as questões referentes à sexualidade, ao assédio, ao aborto, deixem de ser citadas entre colchetes, como se fizessem parte de um vergonhoso muro a ser dissimulado…No lugar de colchetes, se quer compromissos e ações!!
O mundo político não é só masculino
Em Nossa Morada, as mulheres têm conquistado cada vez mais espaços, vencendo gradativamente o preconceito cultural existente quanto à participação feminina no universo público. Querem fortalecer a política de cotas como canal de construção da paridade entre os gêneros. Não tem favor nesta conquista, não senhor!
Cursos de formação política para qualificar a intervenção das mulheres, programas de educação de gênero no município foram propostos em uma rede de relações, na qual as reivindicações das mulheres não são de preencher espaços vazios…apenas para fazer de conta que o equilíbrio existe…
O palanque, o assento na mesa de negociações, o microfone nos comícios, a fala nas assembléias não são mais elementos de estranhamento e de exclusão. Sem ter que reproduzir modelos marciais ou “falar grosso”, as mulheres com firmeza e sensibilidade têm mostrado que não são estranhas no ninho da política.
A I Conferência Municipal de Mulheres foi muito além. De parabéns o Centro de Referência da Mulher. Nos silêncios, nos apartes, na cumplicidade da defesa do voto, as mulheres de nossa terra provaram que podem ser porta-vozes da esperança de um mundo melhor…A Coluna fica por aqui! A luta por uma sociedade igualitária precisa de mulheres e de homens corajosos…Solidários, que não abram mão do direito de ser feliz. Boa semana! Até a próxima!
(*) É vereadora pelo PT e pesquisadora da Uniara.