Vera Botta (*)
A face oculta do Sim e do Não
O que está por trás do referendo do próximo domingo, apontado como a maior consulta popular do mundo???A guerra travada pela mídia entre as frentes favoráveis e contrárias à proibição do comércio de armas de fogo tem deixado os eleitores bombardeados. O que está em jogo??? São direitos individuais??? A liberdade de comprar ou não pode referendar uma política de segurança para o país???Trata-se de uma decisão de se dar ou não adeus às armas??? Não estamos, com certeza, reeditando romances.
O que se está votando???
Os brasileiros irão decidir se a venda de armas de jogo e munição deverá ser proibida no país. Há argumentos fortes em favor do “não” como do “sim”, sem que o debate tenha, de fato, acontecido, no foco correto, envolvendo questões sobre violência e segurança no país. Vemos, na mídia, um acalorado jogo de paixões, como se estivesse em disputa a copa do mundo de futebol. E, na verdade, um movimento que poderia estar alargando a participação e a democracia no Brasil tem se transformado em uma guerra de palavras, com pouco retorno à construção da cidadania. Pelo contrario, estão em cena dissimulações e falsos argumentos.
Os argumentos do não
Defensores do voto “não” citam direito à legitima defesa e afirmam que os bandidos agirão mais seguros porque as vitimas não terão como se proteger. Fala-se na proibição da posse e da comercialização de armas como um precedente ao cerceamento dos direitos individuais e como castradora da legítima defesa. Desta ótica, põe-se no centro da votação, a perda de uma garantia constitucional. O mundo passa a ser dividido entre bandidos e cidadãos do bem. Os bandidos se sentiriam livres para cometer seus delitos, pois teriam a certeza de que ninguém reagiria. E os homens do bem, desarmados seriam vitimados pela privação do direito de defesa. Neste circuito, outros argumentos, como do aumento do contrabando, do desemprego são utilizados numa escala crescente e enganosa. Perguntar não ofende: Ter uma arma garante efetivamente proteção???Basta uma arma para se defender dos bandidos??? Não estaríamos por este raciocínio maniqueísta defendendo a lei do mais forte??? De que direito se fala???O que está prescrito na Constituição é o direito à segurança, não o direito de portar armas. É preciso separar o joio do trigo!!!
O que dizem os números
Estatísticas falam claramente na necessidade de se controlar as armas. São 38.000 mortes por ano. A maioria esmagadora das mortes são cometidas em ambientes domésticos, 70% dos assassinatos com arma de fogo são produzidos por pessoas sem passagem pela polícia, portanto “cidadãos de bem”. Por trás dos números, há uma violência que precisa ser enfrentada de frente pela sociedade. Neste fogo cruzado, sem dúvida, as armas de fogo, de certa forma baratas e acessíveis fragilizam a segurança e potencializam a espiral da violência. É preciso romper o raciocínio enganoso de que a população tem de se armar!!! Frágil o argumento que procura associar, em um ciclo perverso e mal focado, a maior segurança, a defesa do livre arbítrio e a necessidade de não serem proibidas as armas!!!
A defesa do sim
Favoráveis à proibição do comércio de munição e armas destacam queda nas mortes, risco menor de acidentes e a criação de uma “cultura da paz”. A redução de 8,2% do número de mortes por armas de fogo em 2004, em comparação com 2003 foi atribuída, pelo Ministério da Justiça, à campanha pela entrega voluntária de armas e à implantação do Estatuto do Desarmamento em dezembro de 2003. As 3234 vidas poupadas viraram um símbolo a favor do sim. A proibição das armas de fogo irá diminuir os índices de criminalidade???A probabilidade não deve ser interpretada como um receita mágica de efeitos imediatos. Há, sem dúvida, uma confusão entre o direito privado da opinião por uma religião, por um time de futebol com o direito de ter armas. O direito à arma tem que ser pensado a partir de seu mau uso. Trata-se de um direito que afeta diretamente o direito à vida.
O que pretende o Estatuto do Desarmamento???
Por si só ele resolve o problema da violência???Certamente, não. Não se trata simplesmente de reduzir o número de armas em circulação no país, mas alavancar uma mudança fundamental na ótica e no comportamento do cidadão. Neste sentido, a proposta do referendo é progressista. Representa um passo necessário na tentativa da sociedade transformar, por dentro, as condições de violência e de pobreza. Não seria uma forma da população expressar seu desejo por segurança acima dos medos e dos individualismos???É claro que um passo depende de outros para consolidar uma caminhada efetiva na defesa dos direitos humanos. No momento, o sim pode representar uma forma corajosa da sociedade dizer não à violência. Voto sim com a convicção de que não basta ter uma população armada para se falar em defesa nacional. Voto sim acreditando que a esperança de combater a violência, ainda que seja pequena como um grão de mostarda pode prosperar.
A Coluna fica por aqui. Desejando a todos um referendo de paz. Boa semana. Até a próxima!!!
(*) É pesquisadora da Uniara e colaboradora do JA.