Vera Botta (*)
Com raízes não se brinca
Semana de reflexão. De tristeza não desesperançada pela morte do Papa João Paulo II, um papa que literalmente pôs o pé no mundo. Tempo de pensar em nossas raízes, muitas das quais, invisíveis, parecem nada contar para o alimento da planta…para a boa sementeira. Sem as raízes, as árvores apodrecem. Sem esperança no coração e sentimentos de solidariedade, as palavras se perdem ao vento. E as histórias vividas correm o risco de ficar arquivadas, escondidas, como se não tivessem nos deixado marcas.
De que raízes falo?
Da trajetória do PT, dos seus 25 anos de lutas tão bem resgatados pelos depoimentos de Carnesecca, de Bosco, de Edinho, publicados na última edição do J.A. Pudemos ver nas fotos, na descrição, passo a passo, de sua construção, o quanto esta histórica tem raízes. Não fiz parte do núcleo formador do PT. Nem tive militância nos partidos da esquerda tradicional, PCB ou PC do B. Entretanto, nem só de livros e de conquistas acadêmicas é feita minha história. Tenho uma outra militância, nascida da imensa vontade de ensinar, de criar elos entre a universidade e a sociedade, de não produzir conhecimento estéril. Anterior ao PT, nascida na década de sessenta.
Os anos 60: não tão dourados
Entrei na universidade em 1963 em um momento conjunturalmente importante de nossa história. Sou da primeira turma de Ciências Sociais da nossa Faculdade de Filosofia. A escolha por este curso era olhada, na época, com muitas reservas… “Esta Faculdade, reduto de comunistas, no que isso vai dar”??? Fazer Ciências Sociais nos anos de chumbo marcou fortemente minha vida. Digo, de coração aberto, que não me enquadrava no estilo padrão de militância política, ainda que tenha estado no último congresso da Une antes do golpe de 1964. Tinha dificuldades em acompanhar as diferenças entre as facções do movimento estudantil, um pouco parecido com o que sempre senti em relação às tendências do PT. Já naquele tempo – coisas de raiz – era independente. O golpe de 1964 nos tomou de assalto. Perseguições e mortes de amigos queridos aconteceram ao nosso lado, momento doído de reavaliar a realidade brasileira.
Anos 80: a estrela desponta
Tempo de ebulição do sindicalismo. Reações à perda dos direitos civis e greves por reposições salariais pipocavam aqui e ali. No bojo destes movimentos, o PT, um novo partido representativo da classe trabalhadora acena para a construção de uma nova história… Lula no comando… Lembro-me bem do entusiasmo de colegas no 1º Comício do PT em Araraquara, em setembro de 1980… Olhei de longe, com vontade de participar… Saffioti, nosso saudoso guerreiro, a primeira voz da esquerda de nosso Legislativo militava no MDB e havia me convidado à filiação… cheguei a ir a 2 ou 3 reuniões, mas desisti. Faltavam os sonhos, os vôos ousados, o reencontro com as raízes…
De repente, o inesperado fez um surpresa… Estava em minhas andanças para investigar o mundo rural e a construção das lutas dos bóias frias. Neste caminho, me envolvi de corpo e alma em um movimento grevista de uma usina próxima a Araraquara. De inicio, como pesquisadora, gravador em punho, acompanhei atentamente as assembléias, a gestação de uma prática política de contestação. Foi a primeira vez que ouvi do companheiro Elio Neves a referência à perspectiva de reforma agrária nas terras da usina. Fui deixando de lado o meu arsenal de pesquisa, interagi com aqueles trabalhadores, homens e mulheres movidos pela reação à usurpação de seus direitos. Passada a greve, disse a Gabriel, amigo inesquecível que hoje deve ser uma estrela que queria entrar para o PT. Momento mágico que fincou raízes…
1982: a artesanal tessitura dos sonhos
Eleições municipais com Bosco e Albino como candidatos. Lula, no comício da praça Pedro de Toledo nos pediu uma casa próxima para lavar o rosto. Lá fomos para a casa da Orlene, que ficava bem em frente, com toda a comitiva. Com direito a Tiago, meu sobrinho querido a tirar uma foto com Lula. Relíquia guardada na Dinamarca, aonde hoje vive. Fazíamos campanha com os filhos. Gustavo com 11 anos, Ivan, filho de Ana Maria, minha amiga querida, com 3. Nas marcas das estrelas – feitas em isopor e molhadas em cal – espalhadas em pontos estratégicos da cidade durante a noite estavam pegadas de esperança, sonhos de um mundo melhor. Nosso chão de estrelas tem muitas raízes e lembrá-lo ainda nos faz sentir emoção.
E agora, 23 anos depois???
Dois mandatos de vereadora, duas derrotas ou não reeleições, o que sinto diante do PT no poder??? No plano racional, teço críticas e tenho sentimentos de desalento. Mas, as raízes nos trazem riquezas guardadas no coração. Nos fazem pensar que os desencontros e desacertos não vão prevalecer… e, apesar das críticas, da vontade de mudar muitas rotas, os sonhos permanecem!!! Querendo ver o PT e os petistas reafirmar, com orgulho, sua história. Sem medo de que fincar raízes possa abalar seu poder!!!
A Coluna fica por aqui. Desculpem-me o desabafo e o tom emocionado. Mas, afinal, com raízes não se brinca!!! Boa semana a todos e até a próxima!!!
(*) É pesquisadora da Uniara e colaboradora do JA.