João Baptista Galhardo
O desajuste de uma pessoa tem origem, quase sempre, no conflito consigo mesma, em razão do que deseja fazer com o que, na realidade, pode ou deve fazer. Alguém, por não saber dizer NÃO, empresta o carro. Enquanto o veículo não lhe for devolvido, sofrerá um desajustamento psicossomático, com taquicardia, sudorese, angustia, ansiedade, consumindo bebidas e mais cigarros, se fumante for. Tudo poderia ser evitado, se no lugar do SIM tivesse dito um NÃO “guilhotina”, ou seja, cortando o assunto pela raiz. Não dizer SIM quando quer dizer NÃO é um tema permanentemente debatido e estudado. O NÃO é realmente a palavra mais difícil de ser dita. E dizê-la, quando necessário, no lugar de SIM, é um aprendizado de vida. A pessoa que só sabe dizer SIM vive angustiada, ansiosa e sobrecarregada. É assim na família, na sociedade, nas diretorias de clubes recreativos, entidades sociais, filantrópicas, empresariais, repartições públicas e privadas. Há sempre alguém trabalhando mais porque há outros trabalhando menos. O cemitério está cheio de gente eficiente que para lá foram precocemente, porque só souberam dizer SIM. É preferível ficar vermelho um minuto dizendo NÃO, do que amarelo pelo resto da vida por ter dito SIM. O SIM é manifestado no lugar do NÃO até mesmo tacitamente, pelo silêncio ou inércia. São conhecidos os versos do brasileiro Eduardo Alves da Costa, cuja autoria já foi erroneamente atribuída a estrangeiros: “Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada”. Não há vantagem alguma demonstrar no seu ambiente que você é capaz de resolver os problemas de todos. Disse-me certa vez Rômulo Lupo: “de vez em quando é bom fingir de bobo. Bobo não vai à guerra. Quem se sacrifica em batalha, são os mais fortes, valentes, os que sabem tudo”. Quantos que disseram SIM a alguém e que além de não recuperarem o objeto do pedido, perderam também o amigo que pediu. Presenciei, certa vez, um NÃO extravagante. Um cidadão que não andava bem de finanças, em razão de sua prodigalidade, pediu o aval de um amigo, que saiu com esta: “NÃO estou preparado psicologicamente para ser seu avalista”. Curto e rápido. É claro que há os NÃO e os SIM profissionais. Um juiz quando diz NÃO a uma das partes está dizendo SIM a outra. O aprendizado para dizer NÃO deve concentrar no livre arbítrio. Quando o cidadão tem a faculdade de dizer um ou outro. Quando sou convidado a ir onde me falta a vontade, costumo dizer : “NÃO vou por quinze motivos. Primeiro, porque eu NÃO quero. Não preciso falar os outros catorze”. E se o NÃO recebido como resposta for injusto, insista na busca do SIM. Reclame, lute, recorra, principalmente se for perante a Justiça. Há muitos anos, numa pequena Comarca do interior, um sitiante reclamou em juízo, a devolução de um potro que havia desaparecido de suas terras e que foi encontrado no sítio lindeiro, que tinha alguma plantação e dois bois. Perante o Juiz o vizinho manteve a recusa da devolução, jurando que o cavalinho fora sempre de sua propriedade. O Juiz julgou improcedente o pedido, indeferindo o retorno ao legítimo dono. O reclamante, sabendo do trajeto diário percorrido pelo Juiz, postou-se numa estrada, com uma vara de pescar, colocando o anzol na areia. O Juiz intrigado lhe perguntou: “você espera mesmo encontrar peixe aí?” E ele respondeu: “é mais fácil achar peixe nadando na terra, do que de dois bois nascer um cavalo”. O Juiz reviu a sentença convertendo o NÃO em SIM, determinando a restituição do animal.