Por especial indicação e esforços da colaboradora Sarah Coelho Silva, o JA tem o privilégio de entrevistar o fundador do primeiro Banco de Olhos do Brasil: Dr. Tadeu Cvintal.
JA – Como se sente sendo o Fundador do primeiro Banco de Olhos do Brasil?
TC – Primeiro de tudo, eu me sinto agradecido por ter tido a oportunidade de fazê-lo.
Segundo, que com esta atividade pioneira na época, pudemos de fato iniciar uma atividade que se espalhou pelo Brasil e que foi responsável pela recuperação da visão de milhares de pessoas.
Em que hospital e qual o ano deste importante feito da oftalmologia?
O primeiro Banco de Olhos foi organizado em 1966 e passou a funcionar no Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo.
O Senhor pertencia à Equipe de Transplantes de Córnea nos Estados Unidos.
De fato, nos Estados Unidos, eu estava ligado ao Wills Eye Hospital, onde fazia o meu treinamento como residente no Setor de Transplantes, na especialidade de Transplantes de Córnea.
O Wills Eye Hospital estava intimamente ligado ao Banco de Olhos de Philadelphia e a participação técnica nas atividades do Banco faziam parte das atividades do residente de córnea, que tinha o nome de fellow de córnea.
Durante esta atividade, pudemos nos familiarizar e assimilar o espírito com que o cidadão americano encarava o problema, fazendo a doação de olhos em vida, para a sua utilização após a morte.
Eram ainda tarefas do fellow, além de participar da coleta da remoção dos olhos doados, bem como, a sua preservação, também participar da realização de Transplantes de Córnea, Cirurgia intensamente realizada naquela época, isto é, entre os anos de 62 e 64 no Wills Eye Hospital.
Quantos Transplantes de Córnea o senhor já realizou?
Nas 4 (quatro) décadas de atividade nessa especialidade, foram realizados mais de 8.000 Transplantes, feitos em maior número no início, nos primeiros anos, quando a fila de casos represados era bastante grande.
Em quais hospitais de São Paulo o senhor é cirurgião?
Nossa atividade se iniciou no Hospital do Servidor Público, mas também realizamos Transplante em outros Hospitais: Hospital Santa Catarina, Hospital D. Pedro e Hospital Dom Antônio Alcântara.
O seu livro, lançado recentemente no Hospital Santa Catarina, foi muito prestigiado por seus colegas oftalmologistas.
O livro abordou pela 1ª vez, de uma maneira específica, o aspecto das Complicações do Transplante. Ele teve naturalmente, uma boa repercussão entre colegas que se dedicam ao assunto e que tiveram a oportunidade de se manifestar.
O que motivou e o que de mais importante ele transmitirá?
O que mais motivou, foi principalmente o desejo de deixar um depoimento sobre nossas experiências e nossas idéias sobre um assunto específico, como é o do Transplante.
O que de mais importante transmitirá, é certamente a detalhada discussão de algumas complicações, a sua prevenção e tratamento, que é o escopo do livro.
Há complicações do Transplante que são muito freqüentes e são até comuns à outras cirurgias, que são de conhecimento de todo oftalmologista que tenha uma formação média. Entretanto, há complicações mais raras ou aspectos especiais de complicações freqüentes que ocorrem muito mais raramente e que um cirurgião médio, pode levar anos antes de ver o primeiro caso desse tipo de complicação. Em outras palavras, ele necessitará realizar um número muito grande de Transplantes para ele próprio acumular experiência.
E o intuito do livro, é justamente coletar de uma maneira organizada e disciplinada, todas essas complicações que tivemos oportunidade de observar nessas quatro décadas, de modo que, o cirurgião que hoje comece com esse tipo de cirurgia, com um mês de leitura do livro, estará familiarizado com a grande maioria dos problemas que poderá ainda enfrentar, bem como, sugestões de tratamento, que na nossa opinião foi o mais adequado, ou que foi o mais eficiente.
Como foi o início do seu livro?
O início do livro começou com o 1º Transplante, pois desde o começo criamos o hábito de documentar todos os problemas havidos na forma de filmes ou fotografias. Muito tempo antes de pensar em escrever o livro, mas, simplesmente como documentação científica.
Além de sua vasta experiência, o que ou quem colaborou para a execução deste projeto?
Colaboraram cerca de 50 colegas e ex-alunos que escolheram se dedicar à especialidade dos Transplantes de Córnea e que, por sua vez, também tiveram a oportunidade de fazer a cirurgia, de coletar problemas, de enfrentar essas complicações e criar soluções.
Qual o retorno esperado deste trabalho?
O retorno esperado, é que os profissionais dedicados a esta especialidade, especialmente eu me refiro aos que se iniciam, que encontrem nele informações técnicas que os ajudem a resolver os seus problemas. E mesmo aqueles oftalmologistas que não realizam Transplantes, mas que obviamente podem necessitar de cuidar de pacientes com Transplantes, saber como diferentes problemas que esses pacientes e, portanto, seus pacientes apresentem, sejam tratados de maneira rápida e eficiente.
Como se sentiu com o interesse despertado com tantas perguntas na entrevista da Rede Vida, na Tribuna Independente?
De fato, me surpreendeu que um livro absolutamente técnico, pudesse despertar tanto interesse mesmo em pessoas não diretamente ligadas ao exercício profissional, mas que provavelmente tinham na família ou pessoalmente, algum problema relacionado com aquele que trata as especialidades dos Transplantes.
Quais as doenças que mais afetam a visão.
As doenças que afetam a nossa visão são muito numerosas e tomaria muito espaço enumerá-las, mencioná-las todas, mas as mais freqüentes são a Catarata, as Infecções Externas tipo Conjuntivite, Ceratite, as Uveítes que são inflamações internas do olho, os Descolamentos de Retina, o Glaucoma que é o aumento da pressão dos olhos (uma das principais causas de cegueira entre as pessoas), Doenças Vasculares da Retina como Trombose, Hemorragias que podem levar à diminuição da visão, o Estrabismo, o Diabete que ataca a retina e outras partes do olho, etc.
Há prevenção para essas doenças?
Sim. Existe prevenção para muitas doenças e muitos problemas. Há necessidade que a pessoa mantenha contato periódico com o oftalmologista, que passará a cuidar da saúde do seus olhos e aconselhá-lo nos diferentes comportamentos preventivos.
Hoje, por exemplo, para mencionar 2 (dois) exemplos:
1º) O Estrabismo, que leva para uma condição chamada Ambliopia, que é a diminuição da visão da criança, em um dos olhos, por desuso deste olho, pode ser prevenida com um tratamento adequado.
2º) As Degenerações da Mácula, que fazem com que as pessoas de mais idade, de mais de 70 anos, percam a sua capacidade de leitura, pode ser parcialmente prevenida, com medicações preventivas, na forma de vitaminas e anti-oxidantes.
Um diabético deve se preocupar com o aspecto de sua Retina, visitando o oftalmologista, antes que apareçam as lesões, para parcialmente preveni-las com tratamentos adequados.
As pessoas são conscientes e cuidam bem de sua visão?
Algumas condições oculares provocam limitação da visão, tornam o paciente consciente da sua existência e por isso ele procura cuidados profissionais cedo, por exemplo: uma pessoa que tenha miopia, tem a visão de longe muito diminuída, então ela vai receber de um Exame Oftalmológico, um par de óculos adequado.
Entretanto, em um outro extremo, uma pessoa que tenha a pressão dos olhos aumentada, e isso se chama Glaucoma, pode estar completamente inconsciente do problema porque o aumento da pressão em determinados níveis não causa nenhum sintoma, mas, vai destruindo a sua visão gradativamente porque afeta o Nervo Óptico e essa destruição é irreversível. Por isso, as pessoas que têm Glaucoma na família, ou que tenham pelo menos 30 anos de idade, devem todos fazer pelo menos um Exame Oftalmológico, no sentido de detectar essa possibilidade.
Devem aproveitar oportunidades como: Campanhas empreendidas por diferentes Entidades, no sentido de medir a pressão ocular, da mesma forma que fazem-se Campanhas para determinar a pressão arterial. Essas oportunidades não devem ser perdidas, pois em um Exame desses, a pessoa pode descobrir que tem o Glaucoma e evitar conseqüências graves.
Quais os cuidados que devemos ter com os olhos?
A principal prevenção, é fazer um exame Oftalmológico. Quando se trata de criança, antes de entrar na Escola. O adulto, quando tiver qualquer tipo de sintoma relacionado com a visão, ou mesmo quem não tenha sintoma algum, pelo menos um Exame deve ser feito no início da vida do paciente.
O oftalmologista dará à esta pessoa, toda uma lista de orientações no sentido de cuidar, prevenir ou tratar alguma eventualidade já manifestada naqueles olhos.
Correção Cirúrgica de Miopia e Astigmatismo, o que pode ou não ser feito?
A maioria das Miopias e Astigmatismos pode ser operada, porque essas Miopias existentes são baixas e não ultrapassam 8 a 10 graus. São graus excelentes para um tratamento eficiente da Miopia e Astigmatismo.
Muitas vezes não pode ser tratada, quando a Miopia é extrema, como por exemplo : 15 graus, 20 graus de Miopia e nessas circunstâncias, a Cirurgia pelo Excimer Laser, como se faz de rotina atualmente, em geral, não pode ser aplicado porque não há espessura suficiente na córnea para a modificação de forma necessária, para eliminar o grau.
Entretanto, para estes pacientes, existem outras soluções, como : os Implantes Intra-oculares, as Cirurgias do Cristalino, que são igualmente eficientes, embora Cirurgias de maior monta.
Quando é necessário um Transplante de Olhos?
O Transplante normalmente se faz somente da Córnea, que é a parte anterior dos olhos, normalmente transparente e fica na frente da Íris, que é a parte colorida dos olhos.
Na frente da Íris, existe como se fosse uma Calota de Relógio, uma Membrana Transparente que é a Córnea. Quando essa Membrana tem alguma doença, em geral, esta Córnea perde a transparência e mesmo uma pessoa que não seja médica, reconhece que a pessoa em geral, tem uma Mancha Branca no meio do olho, e em geral, essa Mancha Branca é da Córnea que impede a sua visão.
Esses são os casos ideais para Transplante, pois remove-se a Córnea do paciente com a Mancha Branca e substitui-se por uma Córnea Transparente.
Outras partes do olho, algumas vezes podem ser Transplantadas como; a Conjuntiva e o branco do olho, chamado Esclerótica, que tem algumas aplicações, em geral menos freqüentes, pois esses tipos de problemas são menos comuns.
O que pode ser feito para minorar o problema de falta de Doadores de Olhos?
O que deve ser feito é uma constante educação das pessoas, e esclarecimentos através de Campanhas Publicitárias e de Educação.
Então, as pessoas uma vez esclarecidas a respeito da possibilidade de doar os olhos, da possibilidade de se fazer Transplantes com esses olhos e da possibilidade de continuar vivos, através da Cirurgia de Transplante em outras pessoas, elas façam a opção de voluntariamente fazer a doação.
Por outro lado, os familiares do paciente devem estar conscientes desta possibilidade e da decisão da pessoa de fazer a doação dos olhos, pois que é essencial a família ou os amigos da família após o falecimento do doador, tomem a iniciativa de chamar os Bancos de Olhos da cidade em que vivem para concretizar esse último desejo do paciente. Doar os olhos e dessa maneira recuperar a visão de uma outra pessoa, que apresenta algum tipo de deficiência.
Comente um pouco sobre a sua vinda para o Brasil, escolha da oftalmologia como profissão e realizações pessoais.
Quando voltamos ao Brasil, depois de um longo treinamento e especialização em oftalmologia nos Estados Unidos, viemos com o propósito definido de organizar aqui um Banco de Olhos que, até então, era inexistente na forma como se fazia nos Estados Unidos. Deveríamos incentivar as pessoas a voluntariamente doar os seus olhos, para serem utilizados após a sua morte.
E como falamos inicialmente, tivemos o privilégio e oportunidade de organizar este tipo de atividade, que provou ser muito útil, não somente para os profissionais da oftalmologia, mas, para muitos pacientes que dela necessitaram.
Durante as décadas seguintes, nós simplesmente exercemos a profissão de oftalmologista da melhor maneira que pudemos e no decorrer destes anos todos tivemos ainda uma outra oportunidade: a de poder através de centenas de Conferências e Aulas transmitir parte de nossas experiências e conhecimentos que adquirimos no início de nossa vida, em Centros Oftalmológicos avançados dos Estados Unidos.
Estas duas, são certamente do ponto de vista profissional, as duas realizações mais importantes que conseguimos.
Mensagem…
Uma Mensagem curta em que aproveitaríamos para enviar e chamar a atenção das pessoas. A recuperação da visão através do Transplante tem no Doador de Córnea o seu ato principal, mais nobre e que realmente tem a importância na recuperação da visão.
E familiares e amigos de uma pessoa que tenha considerado a possibilidade de doação, devem tornar essa intenção, esse desejo, possível, chamando o Banco de Olhos assim que o falecimento tenha ocorrido, pois o tempo após a morte para tornar esta córnea viável é bastante curto, é de poucas horas e há todo um trabalho técnico importante a ser realizado a seguir.
Esta colaboração, chamando o Banco de Olhos para consumar de maneira bela a decisão da pessoa que doou os seus olhos, é fundamental em toda a corrente de atos que serão realizados em seguida, até a recuperação final da visão daquele que recebeu a córnea doada.