(*) João Baptista Galhardo
Faz mais de cinqüenta anos. O nome dele era Vanderlei, conhecido por Vandão. Ganhava bem. Excelente profissional. Tinha a oficina mais procurada da cidade. Fazia qualquer conserto, principalmente com soldas de todos os tipos. De cabo de panela a guindaste. Bebia, fumava, jogava e era chegado numa vadiação extraconjugal. Quando bebia, lembrava do pai. Com raiva ou admiração. Raiva porque perdera a fortuna herdada. E admiração porque era um safado. Repetia as palavras de seu pai no fim da vida: “o que se leva da vida é a vida que se leva. Gastei grande parte do meu dinheiro com mulheres e bebidas. O resto desperdicei”.
Vandão morava no Bairro do Carmo. Casa própria. Tinha condução. Uma camionete que só usava no fim de semana ou para transportar algum objeto pesado para conserto. Casado com Lola, não tinha filhos. Jogava no bicho, na bocha, nas cartas e até palitos no boteco. Tinha como vizinhos, Agripino casado com Nancy. Ele carregador de sacos na máquina de arroz. E Tininha casada com Perci, na realidade Percival, baixinho bravo, de voz fina e estridente. Vandão tocava violão. Gostava de serenatas.
Certa noite, na janela de Agripino:
– Ouví esta canção que eu mesmo fiz pensando em ti, és a veneração Nancy.
O Agripino levantou de cueca, deu uma tremenda surra no Vandão, que ficou sem trabalhar por vários dias.
De vez em quando aparecia na redondeza o Seu Maninho, montado numa mula preta bem alta, arreio encerado. Vestia camisa de mangas compridas abotoada até em cima, sem colarinho, substituído por um lenço preso num anel de osso com uma cara de cavalo esculpida. Era um rezador, benzedor, ensinava simpatias, “trabalhos”, receitas de remédios caseiros. Conhecia, também, alguns alopáticos. Lola, ensinada por ele, chegou a fazer a novena de São Vicente, protetor dos viciados, para que o Vandão deixasse os seus vícios. Tudo em vão. Orientou que ela comprasse na farmácia um remédio chamado Antabuse. Deveria colocar um pouco na comida ou na bebida do marido. Ele teria uma reação por vinte e quatro horas, ficando com o corpo totalmente manchado de vermelho. Principalmente no rosto. Largaria de beber pelo susto. Comprou a droga mas não teve coragem imediata de colocar em prática.
Enquanto isso, Tininha levara uma surra do Percival. Ela reclamou para o Seu Maninho “alguém andou colocando coisas na cabeça dele”. O rezador ensinou como descobrir: “compre anilina vermelha em pedras (bagos) e sal grosso. Enquanto se benze, jogue os dois no fogo. À medida que o sal estala repita não sei o motivo, mas me aponte o ser vivo que me quer mal. Dentro de vinte e quatro horas o seu malfeitor aparecerá na sua frente com manchas vermelhas no rosto”.
Acontece que no mesmo dia Lola resolveu colocar o remédio na comida do Vandão. Percebendo, no boteco, que estava com a cara vermelha e manchada foi mais cedo para casa. Dia ainda claro. E ao passar pela residência de Tininha que estava varrendo a calçada:
– Boa tarde Tininha.
– Boa tar… então é você seu desgraçado que está arruinando minha vida, cachaceiro, vagabundo…
Quebrou-lhe a vassoura na cabeça. Vandão apanhou sem saber a razão. A mulher dele assustou com sua cara. Não repetiu o que fez. No dia seguinte Vandão já estava no boteco de novo, jogando palito a dinheiro. Nisso entra no recinto um maltrapilho, cabelo desgrenhado, boca banguela, magro, sujo. Vandão oferece e ele aceita um lanche. “Quer jogar? Eu pago pra você”.
– Obrigado. Não jogo.
– Quer uma bebida?
– Obrigado. Não bebo.
– Quer um cigarro?
– Obrigado. Não fumo.
– Só falta dizer que também não vai na zona?
– Não vou. Sou fiel à minha esposa.
Vandão convidou o virtuoso para ir até a sua casa. Foi. E na presença de Lola contou sua vida. A mulher disse: “e eu com isso? Por que você trouxe esse cara para casa?
– É para você ver como é que fica um homem que não bebe, não fuma, não joga e não trai a mulher!