A hora e a vez de um debate que nunca saiu de cena

Vera Botta (*)

Com propriedades, o Jornal de Araraquara vem trazendo à tona o ciclo de contradições que cerca o mundo dos canaviais. Produtora de riquezas e geradora das âncoras do desenvolvimento regional, o sistema de poderes e de controles que cerca o cultivo de cana vem provocando reações no mundo dos homens. Entidades têm se unido para denunciar a morte de trabalhadores provocadas pela exaustão de um trabalho que parece exceder os limites dos corpos. A Promotoria Pública tem se mobilizado e as denúncias deste “crime induzido” chegaram às manchetes do Fantástico. Mais do que tudo, temos tido demonstração de que é preciso agir quando as cortinas se fecham e o espetáculo termina. Mudanças no sistema de pagamento vêm dividindo as opiniões no setor e provocando reações aqui e acolá…

A nós, centro do mundo dos canaviais, o que compete fazer??? Cruzar os braços e achar que não temos competência ou responsabilidade para interferir neste debate nada vai acrescentar. Temos, ao longo da década, convivido com as conseqüências positivas e negativas, de estarmos na vanguarda da produção de cana no pais. Nessa trajetória, não se pode esquecer as controvérsias das queimadas. Comprovadamente, há danos à saúde pública, o que não significa negar a importância que as usinas têm em nossa economia e em nossas vidas.

O que fazer??? Não se trata de buscar soluções radicais a um problema que exige, mais do que um clima de guerra, uma mesa continuada de negociações que tenha como metas o ajustamento de condutas. Sem extremismos que tendem a se evaporar como bolhas ao ar, precisamos ampliar o debate com todos os agentes envolvidos… Negociar, negociar e negociar, tendo na mesa representantes dos trabalhadores, dos usineiros, do governo, da sociedade civil. Temos tido bons exemplos de ações de contrapartida das usinas. Na Coordenadoria Municipal do Meio Ambiente, temos tido oportunidade de trabalhar com as usinas na distribuição de mudas, na recomposição de áreas (com participação da Usina Zanin) e, mais especificamente, com a Usina Santa Cruz, em uma campanha de conscientização e de educação voltada à redução das queimadas urbanas, as quais, sem sombra de dúvidas, igualmente poluem o ar e causam danos as nossas vidas. Que possamos, no Araraquara Contra o Fogo, selar o início de um processo necessário e continuado de debates envolvendo usineiros, sindicatos, estudiosos, poder público, entidades ambientalistas para discutirmos formas possíveis, graduais e não alongadas de redução das queimadas. De todas, na área urbana e rural.

Afinal, este debate não tem donos, nem senhores absolutos da verdade. Precisa ser levado adiante com bom senso e cautela. Sem receitas maniqueístas do que é o bem e o mal. Neste contexto, estendemos o convite que me foi feito pelo J.A. a todos que têm compromisso com a luta por uma melhor qualidade de vida. Que possamos ampliar o campo dos direitos dos trabalhadores da cana, para que a luta pela produtividade não se torne uma saga maldita, para que as queimadas possam ser controladas e reduzidas… Para que, acima de tudo, tenhamos uma verdadeira parceria neste debate que não pode se dar à luz das paixões, mas exige de todos, a vontade política de construir pactos para ser concretizada uma vida mais cidadã. E que não nos esqueçamos das centenas de famílias envolvidas nessa cultura, além de outros elementos.

(*) É pesquisadora da Uniara e colaboradora do JA.

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