Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves (*)
Uma autêntica democracia não possui presos políticos e nem exilados. Seus cidadãos, embora submissos às leis, nelas encontram os instrumentos de defesa e modulação das questões. Em 1979, quando assinou a Anistia (Lei n°6683), o presidente João Batista Figueiredo – o último do ciclo de governos militares iniciado em 1964 – afirmou: “lugar de brasileiro é no Brasil”. Seu ato proporcionou a volta de 2200 desafetos ou perseguidos que viviam no exterior e criou o clima favorável à devolução do poder aos civis, concretizada em 1985.
Já se vão quatro décadas e meia do perdão geral, o mais longo período democrático brasileiro. Nele obtivemos nova Constituição, vivenciamos oito presidentes, volta do pluripartidarismo e a posse no Executivo e Legislativo, bem como o retorno ao serviço público dos ex-proscritos.
Mesmo democrático, esse tempo contabilizou dois impeachments presidenciais (de Fernando Collor e Dilma Rousseff) e episódios que agitaram a República, como os atos de corrupção apurados na polêmica Operação Lava Jato.
A polarização política direita/esquerda com o pêndulo do centro, ora para um lado, ora para outro, tornou-se fator de desagregação. A partir dela, o adversário passou a ser visto e tratado como inimigo e princípios de humanidade e civilidade jazem esquecidos. Ganhou prioridade o propósito permanente de liquidar o adversário a qualquer custo.
A reabilitação de Lula, que o levou à eleição em 2022 transcorreu traumática. Jair Bolsonaro, vencido nas urnas, foi acusado de tentar um golpe para impedir a posse de Lula. No dia 8 de janeiro de 2023, uma semana após o novo governo assumir, manifestantes invadiram e depredaram parcialmente os prédios do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. Foi o suficiente para as novas autoridades – que pouco nada haviam feito para proteger os três edifícios públicos – enxergarem no ocorrido a tentativa de golpe, de abolição do estado democrático e outras imputações que procuraram por na conta do ex-presidente.
Ignorou-se, por exemplo, a inexistência de tropas comprometidas com o suposto golpe e a ausência de possíveis líderes do movimento. Mas não se abriu mão de levar à prisão os invasores dos palácios e também os manifestantes acampados à frente do quartel do Exército. Mesmo não tendo convencido os fardados a realizar a “quartelada”, parte desse pessoal está hoje condenada a elevadas penas – de até 17 anos de prisão – e outros que fugiram para a Argentina e outros países vizinhos são alvos do pedido brasileiro de extradição para que aqui venham ser apenados.
O deputado Rodrigo Valadares (União/SE), como relator, leu no último dia 8, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, substitutivo de sua autoria ao Projeto de Lei n° 28/2022, do ex-deputado Major Victor Hugo (GO) e a outros seis apensados, que concede anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. O texto perdoa todos os que participaram de atos com motivação política ou eleitoral, ou que as apoiaram com doações, apoio logístico, prestação de serviços ou publicações em mídias sociais entre 8 de janeiro de 2023 e a data da vigência da futura lei.
A proposta é anistiar os inconformados com as eleições de 2022, perdoar os crimes previstos no Código Penal, ocorridos em manifestações; cancelar as multas aplicadas pela Justiça; manter os direitos políticos; e revogar medidas judiciais que limitem a liberdade de expressão em meios de comunicação e redes sociais. Também define como abuso de autoridade a instauração de procedimento investigatório relativo aos atos amparados pela anistia.
Da mesma forma que a Anistia de 1979 nos remeteu a 45 anos de democracia e paz (apesar dos problemas), o projeto em andamento poderá ser um grande instrumento para baixar a nefasta polarização e as perversidades que se comete contra o adversário feito inimigo. Além dos manifestantes, o ex-presidente Bolsonaro é um candidato ao benefício nas investigações que sofre no STF e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por acusações de tentar o golpe e tumultuar o processo eleitoral.
Grande embate é aguardado para as próximas semanas entre os parlamentares. A nova anistia é proposta de oposicionistas e bolsonaristas. O governo e sua bancada são contrários e tentam obstruir. Espera-se que, acima da existência de personagens vip, a maioria use a razão e o potencial de pacificação nacional para aprovar o projeto. A exemplo da anterior, a nova anistia tende a , recolocar o País no rumo da paz política e do entendimento, sem o que a vida do povo não é fácil…
(*) É dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)