Antonio Delfim Netto (*)
Deus ainda é brasileiro, mostrou que está com Lula e mandou encher generosamente os reservatórios das hidrelétricas. Mas, junto, enviou um recado: “prestem bem atenção vocês estou dando uma folga de dois anos para que resolvam os problemas; depois não venham chorar por aqui em 2006, dizendo que não foram capazes …”
Ele sabe que o problema é dos mais complicados, daqueles em que “a cobra mordeu o próprio rabo”. Estamos pagando um elevado preço pela incompetência do governo passado na administração do setor energético antes do apagão de 2001 e pela forma ineficiente com que foram feitas as privatizações. Vivemos um fenômeno em que se exigiu uma redução da demanda de 20% porque faltou energia e, em conseqüência desse fato, os consumidores brasileiros passaram a pagar um sobrepreço pela energia não fornecida, além de uma taxa de seguro “contra racionamentos”! Hoje, com enorme atraso, todos clamam contra a “perversidade” dos contratos que protegem as concessionárias privadas da corrosão inflacionária e compensam as variações cambiais com generosa correção tarifária, medida pelo IGPM. Mais perverso ainda (e menos perceptível na mídia recém desperta) é que o aumento nas tarifas de energia impulsiona a alta dos demais preços da economia, tornando mais dramático o combate à inflação: é preciso que todos os demais preços cresçam menos para que se consiga atingir a meta de inflação.
A dificuldade para desmontar mais essa armadilha é que existem os contratos e eles não podem ser ignorados. Todos reconhecem que não é possível jogar simplesmente para cima da população os enormes custos dos reajustes tarifários e obrigá-la a engolir em seco o aumento da inflação daí decorrente. O desafio vai ser encontrar o caminho negociado para moderar os aumentos de tarifas e harmonizá-los com a ampliação do consumo da energia. Não adianta deblaterar diante do poder das “Agências”, porque elas são necessárias para a organização do setor privatizado; é mais inteligente iniciar desde logo a reconstrução das equipes técnicas do Ministérios da Energia, dispensadas na octaetéride fernandina, para pensar novamente a estrutura energética do país e ajudar no encaminhamento de soluções no médio e longo prazos.
Nesse momento como o tempo de indulgência é curto governo e empresas têm que encontrar o entendimento adequado para que o consumidor seja protegido dos abusos e que as empresas tenham uma remuneração decente. É preciso reorganizar o setor, mantendo o respeito aos contratos, porque não temos mais capacidade de investimento público e por isso não podemos dispensar o investimento privado na energia. Todo contrato admite negociação e são milhares as empresas no mundo que estão renegociando cláusulas de seus contratos, sem rompê-los, necessariamente. Não precisamos, portanto, de imposições voluntaristas ou decisões atrabiliárias que afastariam os investimentos privados, aumentando o risco de novas confusões no setor energético, com a volta dos apagões e do racionamento da triste memória do governo FHC.
(E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br)