Em português, temos muitas dezenas de palavras herdadas do francês. Uma
delas é a palavra TOALETE, que tem diversos significados.
Em francês, a palavra é “TOILETTE”, tendo quatro significados: traje ou vestuário feminino e também designa os adornos ou enfeites que as mulheres usam. Significa ainda toucador, que é uma espécie de cômoda, com espelho, em frente da qual a mulher se pinta, se enfeita e se arruma para sair. Deram nome de toucador porque antigamente a mulher lambuzava os cabelos com óleo e punha uma touca para não sujar o vestuário enquanto o penteado se ajeitava. O quarto significado é o cômodo ou gabinete onde a mulher se apronta diante do espelho e guarda seus perfumes, cremes, óleos, pentes, escovas e pinturas.
O ditongo OI, da palavra “toilette”, os franceses pronunciam “OÁ”, como ocorre na palavra FÉ, que é “foi” (foá); na palavra MIM, que é “moi” (“moá); REI, que é “roi” (roá); LEI, que é “loi” (loá), etc.
Foi por isto que, em português, a palavra ficou TOALETE. Não confundir com a palavra toalhete, que é uma pequena toalha para as mãos ou para o casal deixar debaixo do travesseiro…
Como vimos, em francês a palavra toalete é só para as coisas da mulher. Aqui no Brasil, usamos toalete também para homens, porque pode significar banheiro ou aposento sanitário.
Em Medicina, a palavra toalete é muito usada. Limpar o bumbum a gente diz “toalete anal” e os especialistas afirmam que, além do papel higiênico, todos nós devemos, quando possível, lavar bem o rego ao nos levantarmos do trono sanitário.
“Toalete cirúrgica” ou desbridamento é a limpeza operatória de uma úlcera, ferida, escara, ou queimadura profunda. “Toalete da pele” ou tricotomia é a raspagem de pelos antes dos cortes cirúrgicos. “Toalete ganglionar” é a extirpação de gânglios ou ínguas que estão nas proximidades dos tumores, tais como pescoço, axilas, cavidades, etc.
Finalmente, aprendi usar a expressão TOALETE COMPLETA para designar o banho completo e caprichado que todos os pacientes devem tomar antes de se deitar na mesa cirúrgica, mesmo que seja para extirpar um simples cisto de sebo. Tal banho é super-importante para evitar infecções.
Nessa parte, até que a maioria dos pacientes já vêm tomando banho antes da cirurgia, sem precisar de recomendações especiais, salvo algumas exceções inesperadas…
O maior problema está nos acidentados, onde o paciente é trazido de urgência, sem que haja tempo ou condiçõ0es ideais para que seja tomado um bom banho.
Em minha experiência, atendi e internei muitíssimos casos de pacientes queimados e o maior problema estava na crendice de muita gente de que não deve molhar a queimadura porque aparecem bolhas. Não tem nada a ver, pois as bolhas se levantam apenas quando a queimadura é de 2º grau!
É importante que as queimaduras sejam lavadas antes de fazer o curativo. O pior é que, no desespero do acidente, muita gente passava algum óleo ou pomada na pele queimada, mesmo que estivesse suja. O óleo fixava o pó e a sujeira, de forma que, para removê-la, evitando infecção, eu precisava mandar anestesiar o paciente e escovar tudo com água e sabão, a ponto de sangrar.
Quero contar de um paciente que atendi há anos com queimaduras graves e extensas. Ele estava cortando cana e se havia embrenhado no canavial para urinar, sendo subitamente cercado pelo fogo da queimada. Chegou imundo no hospital, com o corpo e o rosto queimados e cheios da poeira das folhas sujas da cana. Os cabelos estavam imundos de fuligem e também os genitais porque, na afobação de tentar fugir, ele deixou as coisas prá fora da calça.
A primeira coisa a ser feita era um analgésico forte e um banho detalhado antes de qualquer curativo. Aí eu pensei: “Sozinho ele não conseguirá banhar-se; uma enfermeira não vai sentir-se bem á vontade para lavar tudo e um enfermeiro vai ficar cheio de dedos, sem conseguir lavar com os detalhes que eu queria que a coisa fosse feita. Na hora, eu me lembrei de um moço homossexual que estava estudando enfermagem, entendendo que ele seria a pessoa ideal para lavar meu paciente, porque ele procederia com a maior tranqüilidade e sem nenhum tabu que os outros teriam. Liguei prá ele e ele veio ao hospital num instantinho. Nota 10! O paciente se salvou sem infecções graças à atuação do jovem e vocacionado profissional que executou a TOALETE COMPLETA do queimado.
Tenho um outro causo prá contar, que foi de um menino de 10 anos que atendi na Santa Casa, faz bastante tempo. Ele sofreu um corte dilacerante na boca e, apesar de ser filho de família qualificada, foi trazido ao hospital sem banho nenhum, sujinho mesmo…
Sendo um corte cheio de ziguezague, optei por indicar anestesia geral. Sendo horário da tarde, todas as atendentes de enfermagem em serviço ficaram na sala de cirurgia para me apreciar.
Já anestesiado, examinei o corte e verifiquei que os dentes dele estavam sem escovar e o nariz cheio de caca. Lavei-lhe os dentes com soro e usei uma meia dúzia de cotonetes nas narinas dele. As atendentes já deram risada, enquanto eu desinfetava o rosto dele com iodo e, de lambuja, limpei restos de remela dos olhos dele.
Feito isto, dei inúmeros pontos, restaurando satisfatoriamente o contorno do lábio do garoto. Fiz o curativo e falei prás atendentes: “Tenho certeza que esse sujinho está também com as orelhas cheias de cascão…” Tombei a cabeça do garoto e gastei uns oito cotonetes para limpar todas as curvas das orelhas dele.
Os cotonetes ficaram pretos…
Nesta altura, as atendentes fizeram o comentário tido como final: “Doutor, desta vez o Senhor fez uma TOALETE COMPLETA!”. Sem perder o lance, respondi prá elas: “Acho que não!” e, num ato contínuo, abaixei a calça do menino e arregacei a pistolinha dele. Era um sebo só, que consegui remover com mais uns dez ou doze cotonetes…