Teste o seu Português (722)

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Prof.ª Dr.ª Terezinha de Jesus Bellote Chaman (*)

“O olhar de Castello sobre cada personagem oscila entre uma delicada lucidez e um suave lirismo e torna impossível interromper a leitura.” (Elizabeth Orsini).

Quero declarar que, recentemente, conquistei um novo amigo. Não o conheço pessoalmente, mas em função de várias obras que li de sua autoria, passei a admirá-lo, e por isso tomar a liberdade de chamá-lo amigo. Trata-se do jornalista e escritor José Castello. Convido-os a conhecê-lo. Em próximas edições, falarei sobre “Coleções Melhores Crônicas (2003).”
“Só uma crônica poderia tratar, com profundidade e leveza, os temas aflorados aqui, caso de ‘O repórter de três cabeças’, de José Castello, publicada em O Estado de S. Paulo de 05/08/97:
Tenho 20 anos e acabo de me tornar repórter policial. O chefe de redação, Sr. Azevedo, me convoca para minha primeira reportagem. Numa favela carioca, moradores ateiam fogo a um homem, acusado de matar a pauladas o filho adolescente. O assassino, com braços e tórax derretidos pelo fogo, ocupa um leito de hospital público, mas não corre risco de vida. Na favela, o coração destruído, sua mulher vela o filho morto.
Vou primeiro ao morro. É um crime pequeno, um episódio na vida de gente comum. No barraco, encontro apenas um velho fotógrafo de A Notícia que – com a frieza de um açougueiro experiente – escolhe as imagens mais repugnantes. ‘Meu marido é um cachorro’, a mulher grita. ‘Um bicho!’ Olho o corpo do rapaz, lustroso como um boneco de cera, a cabeça enrolada em bandagens imundas, o rosto borrado por placas roxas. ‘Ele matou meu filho por nada’, a mulher continua. ‘Matou como se fosse um rato’.
Encho-me de ódio. Ao chegar ao hospital para ouvir o assassino, pois as normas do jornalismo exigem sempre os dois lados das histórias, trago o espírito arreganhado. Largado em uma enfermaria obscura, o homem parece uma sombra de homem. Uma nódoa na paisagem. ‘Por que o Sr. fez isso?’, pergunto, mal conseguindo encará-lo. O homem tem os olhos parados, como pérolas sujas esquecidas no fundo de uma gaveta, e não pára de tremer. Insisto: ‘Por quê?’ Ele me olha e diz: ‘Ele me odiava porque eu sou só um lixeiro.’ Ergo a voz e, em tom de reprimenda, digo que isso não é motivo suficiente para matar.
O homem suspira. Depois diz: ‘Ele roubava meu dinheiro e, enquanto eu carregava lixo, ia para a cama com minha mulher.’ Julgo ouvir um ruído vago, mas tenebroso, como se o teto da enfermaria começasse a desabar sobre mim. Não consigo dizer mais nada. Saio.
Na redação, o Sr. Azevedo ordena: ‘Quero uma história violenta, que tenha início, meio e fim, pois precisamos de manchetes’.
Sento-me para escrever. O esquema clássico do noticiário policial me pede uma narrativa reta, em que haja uma vítima, um assassino monstruoso e uma viúva infeliz. Começo a escrever, mas não posso avançar. Sinto-me tonto. Vou ao banheiro e vomito. De volta, escrevo uma primeira versão, a mais neutra que posso imaginar, em que os vários pontos de vista se entrelaçam. Ofereço-a ao Sr. Azevedo. Ele lê e diz: ‘O que é isso, um boletim de ocorrência? Quero uma história coerente, e não um relatório’.
Volto para a máquina e escrevo, agora, três versões da reportagem. Ajo como um repórter que tivesse três cabeças. Na primeira, o homem é um cão danado que mata a pauladas um filho ingênuo e infeliz. Na segunda, é um homem fraco que enlouquece, manipulado pelo filho pervertido e pela mulher incestuosa. Tento uma terceira versão em que pai e filho são inocentes, fantoches nas mãos de uma megera.
As três narrativas não cabem em uma história só e, no entanto, seria assim, na conjunção contraditória das três, que eu estaria mais próximo da verdade. Mas, eu descubro, ela é o que menos importa a meu chefe.
O Sr. Azevedo, com o ar agastado, vem me cobrar a reportagem. ‘Nossa hora estourou’, grita. Fecho os olhos, misturo as três páginas datilografadas, sorteio uma delas e, sem ver o resultado, entrego-a. O Sr. Azevedo lê e diz: ‘Agora sim a história faz sentido.’
Tomo o ônibus para casa. Levo no bolso as duas versões desprezadas. Amasso-as e jogo pela janela. Deixo que o vento do Aterro do Flamengo bata com força em meu rosto, castigando-me. Tento respirar, ainda sem sucesso, pois é como se uma rolha de decepção me trancasse o peito. Não tenho coragem de ler o jornal no dia seguinte. Até hoje não sei qual de minhas três versões foi publicada.”

Teste o seu Português

01 – Aspersão é o ato de molhamento em pequenas gotas.
Qual significado abaixo está adequado?
a ( ) Eu vou orvalhar as flores.
b ( ) Eu vou aspergir as flores.
c ( ) Eu vou borrifar as flores.

02 – Complete com xeque ou cheque.
a – Aquele ________ complicou todo jogo de xadrez.
b – Pagaram a conta, com um ________ sem fundo.

03 – Quando devo usar: estrato ou extrato?
a – Dê-me os ___________ dos saldos bancários.
b – Mamãe olhava da janela os ____________ que se estendiam no céu.

04 – Qual forma você usaria na frase abaixo: a fim ou afim?
Hoje não estou __________ de brigar com você.

05 – Qual frase está adequada?
a – Quando você pôr temperos na receita…
b – Quando você puser temperos na receita…

06 – Qual a forma ortograficamente aceita: surrupiar ou surripiar?
a – Ele tentou surripiar a minha carteira.
b – Ele tentou surrupiar a minha carteira.

07 – É uma glândula endócrina de situação anterior e inferior no pescoço. Trata-se da:
a – ( ) tiróide?
b – ( ) tireóide?

08 – Existe algum erro, quanto ao uso do acento grave, indicador da crase?
a – ( ) Vou à Curitiba.
b – ( ) Vou a Curitiba.
c – ( ) Vou à Bahia.

09 – O rio Tietê, em certos trechos, exala um _________ terrível.
a ( ) mal cheiro;
b ( ) malcheiro;
c ( ) mau cheiro;
d ( ) mau-cheiro.

10 – Aquela linda e modesta atriz diz viver __________ por causa de sua ______________.
a ( ) izolada – esuberancia;
b ( ) isolada – exuberância;
c ( ) ixolada – ezuberancia.

(*) Pesquisadora do GEPEFA – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Famílias – UNESP/Franca.

RESPOSTAS

Resp 1.: a – b – c – Todos os significados estão adequados.
Eu vou orvalhar / aspergir borrifar / as flores.
Aspergir = borrifar e orvalhar.
Resp 2.: Aquele xeque complicou todo jogo.
Xeque = lance de jogo de xadrez (no contexto).
Pagaram a conta, com um cheque sem fundo.
Cheque = ordem de pagamento.
OBS.: Xeque e cheque são palavras que têm o mesmo som (homófonas) e são escritas de modo diferente (heterógrafas).
Resp 3.: Dê-me os extratos dos saldos bancários.
Extrato = reprodução, cópia.
Mamãe olhava da janela os estratos que se estendiam no céu.
Estrato = nuvem baixa com aspecto de nevoeiro.
Resp. 4: Hoje não estou a fim de brigar com você.
A fim são duas palavras distintas, que formam a expressão “a fim de”.
Às vezes, o de não aparece (elíptico).
Sabe de uma coisa, não estou a fim (= a fim de)
OBS.: Afim = semelhante
Carlos e Pedro têm temperamentos afins.
Resp 5.: A frase adequada é: b – Quando você puser temperos na receita…
Resp 6.: a – b – Ele tentou surripiar ou surrupiar a minha carteira.
Os dicionários registram surrupiar e surripiar. (= furtar, subtrair às escondidas).
Surrupiar – é forma mais usual.
Resp 7.: a – b – Tiróide e tireóide são formas variantes dicionarizadas.
OBS.: A forma recomendada é tireóide.
Resp 8.: b – Sim, existe um erro quanto ao uso do acento grave, indicador da crase. Escreva corretamente: Vou a Curitiba. (porque digo: venho de Curitiba).
Resp 9.: c – O rio Tietê, em certos trechos, exala um mau cheiro terrível.
OBS.: Mau cheiro – (mau = antônimo de bom)
Resp 10.: b – Aquela linda e modesta atriz diz viver isolada por causa de sua exuberância.
Isolada (= separada, sozinha)
Exuberância (= excesso de viço, de vigor).

OBS.: Colunista semanal dos jornais Diário do Grande ABC (SP) e Jornal de Araraquara (SP), Jornal Independente – Dois Córregos (SP), Tribuna do Norte – Natal (RN), Jornal de Nova Odessa (SP), Diário da Franca – Franca (SP) – Diário de Sorocaba – Sorocaba (SP) – Jornal de Itatiba – Itatiba (SP).

 

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