Janaína Lage
A economia brasileira teve um crescimento de 5,2% em 2004, segundo dados divulgados nesta terça-feira, pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Essa é a maior expansão desde 1994, ano do início do Plano Real, quando o PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas por um país) acumulou alta de 5,9%. Segundo economistas, indústria, exportações e recuperação do mercado doméstico tiveram papel fundamental na retomada do crescimento econômico.
No último trimestre do ano passado o PIB cresceu 4,9% em relação ao mesmo período de 2003. Em relação ao terceiro trimestre de 2004, no entanto, a alta foi de 0,4%. Embora o resultado represente desaceleração em relação aos trimestres anteriores, ainda é melhor do que o esperado. No fim do terceiro trimestre, a expectativa do Banco Central era de que nos últimos três meses do ano não houvesse nenhum crescimento após um período de forte expansão econômica.
Um dado preocupante do quarto trimestre, porém, foi a queda da taxa de investimento de 3,9% na comparação com o terceiro trimestre em razão da base mais forte de comparação e do efeito negativo do aumento dos juros sobre as expectativas. No terceiro trimestre, a taxa de investimentos atingiu o melhor momento do ano, com crescimento de 6,8% em relação ao segundo trimestre e de 19,2% na comparação com o terceiro trimestre do ano anterior.
“Embora o aumento dos juros leve um tempo para surtir efeito na economia, eles influenciam a expectativa dos empresários. Se há uma perspectiva de aumento dos juros no fim do ano, eles procuram antecipar investimentos”, afirmou a gerente de Contas Nacionais Trimestrais, Rebeca Palis. A economista afirma, no entanto, que é preciso esperar um pouco mais de tempo para verificar se há uma tendência de desaceleração.
No quarto trimestre, coube ao setor agropecuário o melhor desempenho, com expansão de 2% em relação ao terceiro trimestre. Já a indústria e os serviços cresceram apenas 0,5%.
Indústria
O PIB da indústria cresceu no ano passado 6,2%, com destaque para a indústria de transformação, que teve expansão de 7,7%. Outros setores tiveram crescimento menor: agropecuária (5,3%) e serviços (3,7%).
Para o economista Estêvão Kopschitz, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, a indústria teve papel preponderante na expansão da economia em 2004.
Kopschitz destaca que as atuais taxas de crescimento superam as da época do início do Plano Real. ‘Isso só reforça o resultado atual porque foi o primeiro ano de forte crescimento que não ocorreu após planos de estabilização da economia. Neste caso, o resultado é fruto de políticas seguidas ao longo dos últimos anos’, disse.
O economista destaca, no entanto, que o vigor da expansão da atividade econômica no ano passado foi, em parte, reflexo do que não aconteceu no ano anterior. ‘Parte desse crescimento foi o que não ocorreu em 2003, quando a economia cresceu somente 0,5%’, disse.
Consumo
O consumo das famílias também exerceu papel relevante no crescimento da economia, com alta de 4,3%, a maior taxa acumulada em 12 meses desde o primeiro trimestre de 2001. Com o aumento da oferta de crédito –impulsionado por novas modalidades como o empréstimo com desconto em folha– o consumidor se sentiu mais confiante para fazer compras a prazo. Segundo Kopschitz, também está por trás do aumento do consumo a melhora do mercado de trabalho. Em 2004, o desemprego chegou a 9,6% em dezembro, a menor taxa desde o início da série histórica. Já a massa salarial, segundo o IBGE, teve alta de 1,5% no ano passado.
A queda dos juros a partir de meados de 2003 também teve efeito benéfico sobre a economia. Os efeitos defasados provocaram uma melhora no desempenho do consumo e da indústria.
Investimentos
Os investimentos tiveram expressivo crescimento de 10,9% em 2004, segundo o IBGE. Trata-se da maior alta desde o terceiro trimestre de 1997. Para o economista-chefe do banco Schahin, Cristiano Oliveira, consumo das famílias e investimentos foram a receita para o crescimento do PIB no ano passado.
A economista-chefe do BES Investimento, Sandra Utsumi, ressalta as melhorias estruturais como a aprovação da Lei de Falências, das PPPs (Parcerias Público-Privadas) e da retirada dos investimentos públicos do cálculo do superávit primário. Segundo Utsumi, estas modificações criaram um cenário de investimentos mais favorável.
No quarto trimestre, no entanto, eles começaram a perder fôlego. Segundo o economista do JP Morgan, Fábio Akira, a queda pode ser comprovada pela redução do ritmo de produção de máquinas e equipamentos para a agricultura. ‘Os preços das commodities começaram a cair, o que gera uma freada nos investimentos neste setor. Além disso, a queda pode estar relacionada com o ciclo de aperto monetário’, disse ele em relação aos seis aumentos de juros promovidos desde setembro, que elevaram a taxa básica para 18,75% ao ano no mês passado.
O impacto sobre o consumo só não foi maior, segundo o analista, porque a recuperação do mercado de trabalho conseguiu compensar o efeito do ciclo de aumento de juros.
Exportações
O grande motor do desempenho econômico em 2003 também influenciou positivamente a economia brasileira no ano passado: as exportações. Segundo o IBGE, as vendas ao exterior cresceram 17,9% em 2004. ‘O impacto delas no crescimento não é tão forte como em 2003, mas ainda assim elas superaram bastante as projeções’, afirmou Akira.
“O mundo cresceu a taxas consideráveis, possivelmente o melhor desempenho desde as vésperas do 11 de Setembro, o que trouxe um cenário bastante positivo para as exportações”, afirmou Utsumi.
Desaceleração à vista
Apesar da perspectiva de crescimento em 2005, analistas são unânimes em afirmar que a economia não deverá repetir o resultado do ano passado. As previsões para o PIB entre os economistas ouvidos variam de 3,4% a 4,2%.
O cenário econômico de 2005 reserva características bastante diferenciadas das do ano passado. Na indústria, a expectativa é de que o setor de bens não-duráveis, como roupas e alimentos, passe a liderar a expansão. Isto porque existe um ciclo no endividamento das famílias.
No ano passado, muitas pessoas assumiram compras a prazo e se endividaram para adquirir bens duráveis (como carros e eletrodomésticos), de maior valor aquisitivo. Com o aumento dos juros e o fim do ciclo de crédito, o consumidor passa a dar preferência a itens de menor custo, mais dependentes da renda do que do crédito. Para 2005, analistas apostam no crescimento da massa salarial como fator de expansão a incentivar o consumo.
O ciclo de aumento dos juros iniciado em setembro do ano passado também deve interferir nos investimentos de empresários e nas decisões de compras do consumidor. ‘O aumento dos juros tem efeito sobre a demanda e sobre a produção e pode significar uma perda de fôlego’, disse Kopschitz.
O economista do Ipea destaca ainda que o aumento dos gargalos na produção com o maior uso da capacidade instalada para atender a demanda em 2004 vão exigir novos investimentos dos empresários, o que requer tempo para realização. ‘Isso se dá de forma mais lenta, investimento tem prazo para se concretizar’, disse.
Além disso, o fator propulsor da economia em 2004 pode sofrer impacto: as exportações. Com a valorização do real, os produtos brasileiros tornam-se menos competitivos. E o dólar acumula queda pelo nono mês consecutivo. ‘Os ajustes da política monetária e a perspectiva de exportações menores com a apreciação do real devem garantir a desaceleração’, afirmou o analista da Fator Doria Atherino, Vladimir Caramaschi.
Segundo Utsumi, no entanto, o crescimento de potências como Estados Unidos e Japão acima das expectativas dará novo fôlego para as exportações brasileiras. A economista reconhece, no entanto, que se a taxa de câmbio se mantiver nesse patamar por um período prolongado pode haver deterioração no quadro de exportações.