Perdigotos, cuidado com eles!

Ao dar um espirro de resfriado ou gripe, a gente deve cobrir a boca e o nariz com um lenço, evitando que aquela nuvem de baba atinja quem está por perto. Não tendo lenço, pode usar a mão, a fralda da camisa ou da blusa, ou então virar a cara de lado. Todos nós devemos acreditar que a saliva ou o ranho estão sempre repletos de micróbios.

O povo japonês está bem evoluído nisto há anos, tanto que a antiga Revista da Organização Mundial da Saúde publicou uma porção de fotos tiradas nas ruas do Japão, onde apareciam vários transeuntes gripados, com máscaras idênticas às usadas em cirurgia. Foi uma bela matéria publicitária de Saúde Pública.

No tempo em que fui Diretor do Serviço Especial de Saúde de Araraquara, estive nos Estados Unidos e, em determinado dia, peguei um vôo interno de Chicago para Los Angeles. Ao entrar no avião, sendo um vôo de escala, já estavam sentados dezenas de japoneses, muitos deles usando tais máscaras. Coincidentemente, o que se sentou ao meu lado era Médico e me confirmou o salutar hábito dos gripados andarem com máscaras.

Máscara cirúrgica, em japonês, se diz "gueká no kamém". "Gueká" é cirurgia e "gueká-i" é cirurgião. Eu disse prá ele que era um "seikei-gueká-i", isto é, um cirurgião plástico. "Kamém" é máscara. Quando os japoneses conversam com estrangeiros, eles costumam usar palavras japonesas que foram herdadas do inglês, achando que é mais fácil prá gente entender. Assim foi que, ao invés de "kamém", o Doutor falou "mássuku", que veio do inglês "mask". Ônibus, eles falam "bássu", manteiga eles dizem "bata", etc. Gripe em japonês é "kaze", mas ele me disse a palavra que veio do inglês, "influenza", e falou prá mim "infuruenza".

Na ocasião, fiquei com vontade de fazer uma campanha no Brasil para os gripados usarem máscaras. Um funcionário do Serviço Especial de Saúde de Araraquara, já falecido, me disse: "Doutor, o povo daqui não vai topar andar de máscara de jeito nenhum; brasileiro é muito cismado que os outros vão dar risada dele; por exemplo, ninguém come banana na rua porque os outros ficam caçoando…" Admiti que ele tinha razão e não fiz a campanha, mas escrevi um artigo sobre o assunto no jornal local da época, "O Diário", dirigido pelo saudoso Roberto Barbieri.

Ao escrevê-lo, afirmei que os micróbios ou bactérias são vegetais, embora as crianças pensam neles como se fossem pequenos animais. Por serem vegetais, a gente se refere aos micróbios que vivem em nossa boca e nariz pela designação "flora bacteriana oro-nasal".

Tecnicamente, vírus são micróbios tão pequenos, que não têm núcleo e conseguem atravessar a porosidade dos filtros. As bactérias são maiores, têm núcleo e recebem vários nomes, dependendo do formato delas, sendo três os mais comuns: "cócos" são as bactérias bem redondinhas; "bacilos" são as compridinhas e "espiroquetas" são sinuosas, parecendo o pipi do porco…

O micróbio da sífilis é espiroqueta e quem não quiser dizer que ele parece com o pipi do porco, pode dizer que se parece com um saca-rolhas.

Há pessoas que têm uma floresta de micróbios na boca, os quais podem espirrar até espiroqueta, porque o micróbio da sífilis também gosta de boca…

As nuvens de saliva que saem da boca ou do nariz recebem o nome de PERDIGOTOS. Eles podem sair no espirro, na tosse ou na simples fala… Essa palavra parece que quer dizer "gotas perdidas", mas não é nada disto.

Todos nós conhecemos aquela ave de caça chamada perdiz. Pois bem, o marido dela se chama perdigão e o filhote se chama exatamente perdigoto.

As palavras se formam de modos bastante pitorescos. O caçador antigo saía para caçar perdizes com espingarda de chumbinho, de carregar pela boca, apelidada pica-pau. Ao atirar, preocupado em não atingir os filhotes, ele gritava: "Sai, perdigoto!" Dava o tiro e saía aquela chuva de chumbinhos, que se parece com uma cuspida. O resultado foi que o povo passou a chamar perdigoto tanto a chuva de chumbinhos quanto a chuva de baba que sai da boca ou do nariz.

Naquele artigo que escrevi no jornal "O Diário", eu expliquei aos leitores da época que quando alguém está sentado e chega outra pessoa prá cumprimentar ou prá conversar, o que está sentado deve ficar também em pé prá não levar um banho de baba na cara, que pode acertar até dentro da boca se ela estiver meio aberta… Outra saída seria usar um guarda-chuvinha, como muito bem representou aí ao lado o artista Márcio A. Orsin, a quem agradeço por este desenho e por um outro que ele fez para ilustrar matéria que escrevi no Jornal da Casa do Médico de Araraquara recentemente.

Na ocasião do supracitado artigo, recebi um telefonema dias depois, onde um cara que eu nem conhecia disse que estava bravo comigo. Ele comentou que havia entrado no Rei Bar e que chegou perto de um cara que estava bebendo numa das mesas para perguntar as horas. Aí, o que estava sentado ficou em pé na mesma hora e, talvez "alegre" devido ao que já havia bebido, disse para o queixoso: "Estou ficando em pé porque o Dr. Guaracy me disse que quando você fala fica cuspindo no rosto da gente!…"

Respondi prá ele: "Eu não conheço você, o cara deve ter lido um artigo que escrevi no jornal "O Diário" domingo passado; leia também e faça o mesmo que o outro fez com você, porque é correto; se você estiver sentado e alguém aproximar-se para dizer boa noite ou conversar, fique em pé imediatamente; com isto, todos vão achar que você é educadíssimo e, ao mesmo tempo, irá livrar-se das chuvas de vírus, cócos, bacilos e espiroquetas que podem passar da boca dos outros prá sua…"

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