Rosa Godoy (*)
Ela fotografa flores. Não quaisquer flores porque isto seria muito banal, mas flores do mato. Vai passando, olhando, na verdade, perscrutando e, de repente, abaixa-se, coloca-se o mais perto possível e click – mais uma para a interminável coleção. Incrível como enxerga beleza onde o passante comum não consegue ver nada. Aqui e ali vai imortalizando a alma de pequeninas criaturas, esquecidas pelo mundo, lembradas só pela câmera astuta e perspicaz que sempre carrega a tiracolo.
E elas, as criaturinhas, se fazem belas, despudoradas, atrizes principais em cena no palco da natureza, desempenhando dos papéis o mais bonito, o de enfeitar a vida. Parecem sorrir e faceiramente ajeitar-se, ao posar para a lente milagrosa. Até o vento participa, roubando a cena quando não se o quer ou saindo quando se lhe suplica auxílio. “Você já viu que é só ajustar a câmera e achar a melhor posição que o vento sopra? Parece até que zomba da gente. Tem que ter paciência, dar um tempo e fazer de conta que não está nem aí. Às vezes ele para de soprar, outras insiste…”, ensina sorrindo a competente professora.
Continua: “Lá na minha cidade, tem uma lenda que explica bem como a natureza participa das coisas dos homens. Tinha um cara muito rico que era dono de uma grande extensão de terra. Chamava-se Coronel Zé Rico, pois tinha tanto dinheiro quanto era sovina. Quando morreu, ficava gritando lá no cemitério, que não queria ficar enterrado. Um empregado seu, fiel que nem animal de carroça, uma noite foi lá e desenterrou o patrão. Ele era corpo seco , aquele que não descarna, só seca. Tirou o homem da cova e levou para as terras dele. O velho nunca mais saiu de lá e até hoje fica tomando conta de tudo. Acontece que aquele lugar é o único onde tem pau de enxada, aquela árvore fininha que o tronco serve para fazer cabo de enxada. Quando alguém vai lá buscar, só pode pegar um tronco e ainda tem que pedir para o Coronel. Tem que gritar assim: Coronel Zé Rico, vou pegar um pau de enxada, só um . Se pega mais de um, cai um toró danado e ele se perde na mata, nunca mais sai de lá…”
Conforme vai falando, vai clicando. É metódica, sistemática: procura, acha, pára, escolhe o melhor ângulo, diz um agrado à flor e a transporta para a eternidade, por mais delicada e efêmera que seja. Não tem pressa, a natureza não sai do lugar. Só fica muito brava quando as flores são maltratadas. “Uma vez, andando por aí, encontrei uma flor linda, uma Maria-sem-vergonha. Estava sozinha, grudada num tronco seco. Era linda, linda. Acontece que eu estava sem a máquina. Não tive dúvida: no dia seguinte bem cedo (é o melhor horário para fotografar, a gente pega as flores molhadinhas com o orvalho da manhã, é fantástico!) voltei lá, com todo o equipamento. Agora ela não me escapa, a danadinha… Fiquei uma arara. Acredita que alguém tinha sentado em cima da pobre da flor? Estava esmagada, a coitada. Fiquei tão furiosa que tive vontade de chamar a polícia. É demais! Onde já se viu alguém não ver onde põe o traseiro?!?”
É assim, sensível como só os grandes artistas conseguem ser. Mineira que se preza, para ilustrar cada tema conta um “causo”, ora da enfermagem que exerce no cotidiano do cuidado às mulheres que amamentam, ora da arte que prazerosamente vivencia através da fotografia, reconstruindo-as ambas. Assim embalada, a gente nem vê o tempo passar. Só mais tarde é que se dá conta do quanto aprende a ver e enxergar as flores, mesmo as mais singelas. Mais que admirá-las aprendi com ela que se deve olhar onde pisa porque a beleza pode estar até onde a gente põe os pés.
(Ofereço este texto à enfermeira Isília Aparecida Silva, no Dia da Enfermeira, por reconstruir lindamente a enfermagem através da arte de fotografar flores do mato).
(*) É Enfermeira e colaboradora do JA.