Olhar sobre câmbio e currupaco

Antonio Delfim Netto (*)

Num artigo recente sobre as dificuldades do setor exportador brasileiro, citei um ditado que um velho professor de economia gostava de repetir a seus discípulos: “se você quiser transformar um papagaio num respeitável economista, basta ensinar-lhe duas palavras: “oferta e procura”… O prezado leitor deve lembrar a lição toda a vez que encontrar alguém afirmando peremptoriamente que ôa taxa de câmbio ou é fixa ou é flutuante e, neste caso, determinada livremente no mercado pela oferta e procura de dólares…”

Entre o câmbio fixo e o câmbio flutuante existe uma grande variedade de regimes. Um processo seletivo e o desenvolvimento da teoria e da política econômicas têm levado a uma concentração nos “flutuantes” que envolvem dezenas de mecanismos de “intervenção”. Os dois modelos são uma espécie de “entes platônicos” que não encontram correspondência em nenhuma realidade. Não existem (a não ser em instantes fugazes dos livros-textos), nem o câmbio absolutamente fixo, nem o câmbio absolutamente flutuante, devido aos seus inconvenientes em momento de crises.

Proposições desta ordem ignoram um fato fundamental: quem constrói o mercado? Ou melhor, quem constrói a “oferta” e a “procura” de dólares? É preciso distinguir dois “mercados”: um de bens e serviços (exportação e importação) que tem conseqüência sobre o futuro nível de emprego da economia. É ele que gera as divisas próprias para pagar as importações, que influencia a taxa de crescimento do PIB, o nível de emprego e a importação de tecnologia, dos bens de capital e dos bens intermediários que abrem novas perspectivas de investimento, realimentando o próprio desenvolvimento. Quando há controle sobre a liberdade de capitais, este mercado “comercial” estabelece livremente uma taxa de câmbio capaz de manter em relativo equilíbrio o saldo em conta corrente e, portanto, o endividamento externo.

Quando há relativa liberdade de movimento de capitais cria-se um “mercado financeiro”, muito mais ágil e musculoso na especulação e na arbitragem que hoje envolve toda sorte de derivativos. No “mercado global” que incorpora o “comercial” e o “financeiro” a taxa de câmbio (ou melhor, o dólar) transforma-se num ativo financeiro cujo preço se ajusta instantaneamente, independente das condições do mercado “comercial”. É por isso que pode haver uma divergência entre a taxa de câmbio “comercial” que acelera o crescimento econômico e o emprego, e a taxa de câmbio “global”. Esta obedece às conveniências da especulação e arbitragem financeira, proporcionando gordos lucros aos agentes financeiros.

Quem comanda este movimento financeiro e constrói, portanto, a oferta “global”? É a taxa de juros fixada para os títulos da dívida pública. O fluxo de capitais depende, como é óbvio, das diferenças de retorno que um dólar pode obter no mercado financeiro americano e, com o mesmo risco, no mercado financeiro brasileiro.

No momento, a taxa de juro brasileira está tão alta que tem produzido milagres: colocar-se papéis em dólares nominados em Reais e à taxa de juro interna!

Para os brasileiros com alguma memória isso não deveria ser novidade. Como foi possível manter o câmbio super-valorizado de 1995 a 1998 e acumular um déficit em conta corrente de 106 bilhões de dólares (!) se não à custa de uma taxa de juro real “escorchante” que produziu uma taxa média de crescimento ridículo do PIB, de 2,6% ao ano?

Não nos esqueçamos, também, que mesmo depois do desmonte da armadilha a partir de 1999, o setor exportador levou anos para recuperar-se. As exportações cresceram apenas 6% ao ano entre 1999/02. Os espetaculares resultados de 2003 e 2004 foram produto do entusiasmo do câmbio e do crédito abundante, ajudados pelo crescimento das exportações mundiais.

A continuidade dessa performance está seriamente ameaçada pela valorização cambial sustentada pela maior taxa de juros do mundo.

E-mail: dep. delfimnetto@camara.gov.br

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