O drama das águas (no Sul e em todo o País)

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Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves (*)

Trinta e um mortos, 56 feridos, 74 desaparecidos, 17.087 desalojados, 7.085 em abrigos, 351.639 afetados. Esses eram os números decorrentes da tragédia climática do Rio Grande do Sul, na manhã de sexta-feira (03), quando preparávamos este texto. Agora, quando você o lê, o quadro deve ser outro, possivelmente mais grave, já que havia a previsão de continuidade da tormenta e seu alastramento para Santa Catarina e sul do Paraná. O sinistro já comprometeu 235 dos 496 municípios riograndenses, muitos deles em largas proporções à ponto de se especular sobre o total desmonte da estrutura urbana.

Ainda resultante do fenômeno ‘El Niño’ que, paradoxalmente, provoca seca e calorão no restante do País, encontramos o Sul em dificuldade. Independente da força indutora, o que ocorre é a Natureza retomando seu território, especialmente o denominado “caminho das águas”. Mais dia, menos dia, a água que sobra nos rios retoma as áreas ribeiras que o homem ocupou e nelas construiu seus empreendimentos. O País – inclusive São Paulo Capital – convive com clássicos exemplos desse acontecimento. E a única solução, parece-nos ser a desocupação dos antigos aluviões, o que nem sempre é possível. Porto Alegre, para onde rolam todos os rios do Estado, vive hoje problema semelhante. A partir dos anos 40, construiu diques às margens do rio Guaíba, mas as estruturas estão hoje sucateadas e se m manutenção. Resultado: extensas áreas daquela capital estão inundadas e seus habitantes impedidos de continuar a rotina da vida. Exemplo como esse, todos nós conhecemos perto de onde vivemos, independente da região onde nos encontramos.
O recrudescimento do quadro climático, ocorrido no segundo semestre do ano passado, quando a nova fase do ‘El Niño’ chegou, trouxe ao nosso necessidades maiores. Os tornados e ventos fortes trouxeram ao chão estruturas existentes a décadas. Dezenas, talvez mais de uma centena de cidades – principalmente São Paulo – tiveram problemas de desabastecimento de eletricidade porque as árvores caíram sobre a rede elétrica e as distribuidoras não estavam preparadas para realizar o grande volume de reparações.

Ainda bem que temos centros especializados em meteorologia e tecnologia. Mas falta uma ação coordenada de toda essa estrutura para a mitigação dos problemas antes deles se transformarem em tragédias como aquela que hoje enfrentam os nossos irmãos gaúchos. Já passou da hora de o Governo Federal, capitaneando Estados e Municípios, desenvolver um grande programa de estabilização de nosso relevo de acordo com as novas necessidades climáticas. Verificar nas cartas de previsão as probabilidades de novos sinistros e partir em busca da eliminação de gargalos antes que o vento e a água cheguem. Existem localidades que talvez seja mais barato mudar a sua localização do que criar mecanismos para não serem inundadas. Isso não é um grande problema técnico para a tecnologia disponível em nossos centros. Mas é necessário vontade política e investimentos que só podem ser governamentais, já que é um problema de ordem pública e de vastas regiões.

Hoje temos o desconforto e a tristeza de lamentar os mortos e, na medida do possível, socorrer os sobreviventes. Mas é algo temporário. O que necessitamos verdadeiramente é de um programa coordenado e de alto padrão para resolver os problemas. O Governo Federal por seus órgãos técnicos precisa mobilizar-se e encontrar o formato de socorro mais adequado a cada situação. O Congresso Nacional deve estar atento para receber os projetos e providenciar os instrumentos legais que autorizem e viabilizem a operação. É preciso tirar o perigo de cima da cabeça do povo. O indivíduo tem o direito de viver seguramente naquele lugar que escolheu e, antes se ser ali alocado, receber as garantias técnicas de que não será surpreendido pelas chamadas forças da Natureza. As cheias que temos verificado só existem por má utilização do solo durante décadas (até séculos) e falta de administração dos riscos.

Temos, no País, competentes centros de tecnologia, capacidade instalada para a solução de praticamente todos os problemas hidráulicos, construtivos e sociais. Para solucionar o problema das cheias, bastaria o Governo Federal criar um ministério (ou acionar o já existente Ministério da Integração Nacional) e aplicar um questionário a Estados e municípios para que cada unidade federada aponte quais são os problemas de seu território. Esse levantamento seria o ponto de partida para a montagem de um plano nacional capaz de estabilizar todos os cursos d’água e libertar a população do atual flagelo. Conhecido o problema, o Ministério poderá remeter o projeto e os recursos para sua execução e, ao final do prazo estabelecido, fiscalizar como se deu a execução. Além de resolver os gargalos, o Ministério deve manter o plano ativo para revisões que se fizerem necessárias ao longo do tempo ou solucionar problemas que forem surgindo em razão do crescimento vegetativo das comunidades.

As dimensões continentais de nosso País nos levam a ter diferentes situações. Fora a sazonalidade de ‘El Niño’ e ‘La Niña’, temos a situação consolidada de cada área. Seca no Nordeste, cheias e seca no Norte, chuva e ventos no Sul, etc. Para tudo há solução. Desde que se implementem políticas adequadas para cada área. Os mesmos esquemas que lutam para o controle da poluição dos rios poderiam ser também preparados para cuidar dos gargalos que, quando saem do controle, são devastadores e mortais…

(*) É dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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