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O Bom Dia do meu amigo Gandur

Sempre tive bronca de quem, ao falar bom dia ou boa tarde, dá um aperto de mão totalmente frouxo ou somente com as pontas dos dedos.

Há alguns anos, o simpático comediante Golias deu um "show" em nosso Teatro Municipal, no qual, entre outras coisas gozadas, ele fez uma classificação dos apertos de mão. Ri muito da criatividade dele.

Conheço pessoas que falam bom dia já puxando a mão prá trás, escorregando. O Golias chamou isto de "bom dia de manteiga no pão"…

Ao cumprimentar alguém, a gente deve pôr energia no ato, no legítimo "aperto de mão", que não pode ser frouxo, senão a gente não passa nem recebe as energias que a gente espera dos amigos que nos querem bem.

Quando instalei meu primeiro consultório em Araraquara, foi lá no prédio onde é hoje o Hotel Uirapuru. Ao chegar, fui logo convidado pelo Dr. Syrthes De Lorenzo para dar alguns atendimentos na União Operária, convidado pelo Dr. Humberto Morábito para atender no Ambulatório da Associação da Cana e convidado pelo Dr. Amaury Monteiro para trabalhar no SESA, que é o nosso Centro de Saúde padrão.

Em virtude disto, os viajantes de laboratório trataram logo de me virem visitar no consultório para me convencer a receitar os remédios dos laboratórios que eles representavam.

Na primeira visita laboratorial que recebi, vieram quatro viajantes de uma vez só. Assim que eles entraram, cumprimentei-os do modo que sempre achei importante e correto: apertei firmemente a mão de cada um deles.

Assim que terminaram o falatório deles, um dos viajantes me disse: "Doutor, percebi que o senhor gosta de apertar a mão da gente bem firme ao cumprimentar; vou prevenir o senhor que tome cuidado quanto chegar aqui o viajante do Laboratório Pinheiros, o tal Gandur Haddad; se o senhor for apertando a mão dele assim como apertou a nossa, ele irá moer a sua mão, porque ele fala o bom dia mais firme da cidade…"

Perguntei a eles como era o jeito do tal Gandur e eles o descreveram como um turcão simpático, muito alto e de mãos enormes.

Poucas semanas depois, recebi a primeira visita do Gandur e apertei a mão dele de forma destemida. Não aconteceu nada de ruim, porque quando a gente dá um bom dia firme, a mão do outro se encaixa sem nenhum trauma.

Muito camarada e afável, o viajante Gandur me falou das Lisocilinas, do Botropase, das Vacinas, do Soro Anti-ofídico, da Leiba e de vários outros produtos do Laboratório Pinheiros, que ele representava.

Ao terminar sua visita de propaganda, o Gandur me disse exatamente isto: "Doutor Guaracy, gostei da firmeza do seu bom dia e quero convidá-lo a usar essa sua energia escrevendo algum artigo para ser publicado na revista de meu laboratório. Nenhum médico de Araraquara já escreveu na Revista "Pinheiros Terapêutico"; se o senhor escrever, irá ser o primeiro e eu ganharei pontos perante o laboratório.

Topei na hora o convite e, chegando em casa, escrevi o artigo intitulado "O MÉDICO E SEU ENFARTE", onde apontei a tendência dos profissionais médicos a sofrerem de enfarte em virtude das tensões que vivem, inerentes à nossa atividade profissional, lutando contra as doenças e contra a morte.

Semanas depois, o Gandur me trouxe pessoalmente a revista "Pinheiros Terapêutico", onde foi publicada a primeira crônica que escrevi em minha vida. Guardo tal revista com muito carinho em minha coleção de lembranças do passado.

Anos depois, em 1968, recebi pelo correio o costumeiro Jornal da AMB (Associação Médica Brasileira). Ao abri-lo, vi que haviam publicado, na página 2, um artigo escrito pelo saudoso Professor Sebastião A. Pinto com o mesmo título de meu artigo: "O MÉDICO E SEU ENFARTE". Dei uma olhada rápida no texto e fiquei uma arara ao perceber que o autor havia escrito algumas coisas do jeito que eu pensava. Com raiva, joguei o jornal num canto.

Dias depois, o colega médico, Dr. José Eduardo De Lorenzo, me ligou para perguntar se eu havia lido o artigo, fazendo elogios. Baseado nisto, peguei o jornal do cesto e tratei de ler detalhadamente. Para minha surpresa, o cronista, Dr. Sebastião A. Pinto, havia nada mais que transcrito meu artigo original, da Revista Pinheiros Terapêutico, citando a mim como autor do texto original. Fiquei super-contente e guardei os dois jornais até hoje, dos quais tomei os recortes que estou apresentando hoje aos leitores.

Neste ato, quero esclarecer novamente que aquele foi o primeiro artigo que escrevi em minha vida, de forma que agradeço ao meu saudoso amigo Gandur, que foi quem me inspirou a escrever, o que faço até hoje e posso dizer, sempre pensando nele como meu incentivador.

Ao entrarmos neste mês de novembro, lembrei-me do Gandur, porque este é o mês de aniversário dele, o que me levou a escrever esta crônica.

Gandur é nome de rua em Araraquara, no bairro Selmi-Dei, onde há, bem próximas, duas ruas com nomes de médicos araraquarenses com quem ele também conviveu, Dr. Francisco Logatti e Dr. Savério Lia.

Ao ser admitido como Membro Titular da SOBRAMES Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, meu pronunciamento incluiu a menção ao Gandur que, num simpático incentivo, há 40 anos, deu-me a energia inicial que me faz ter vontade de escrever todas as semanas.

Presto a ele hoje minha homenagem, porque foi exatamente ele que, após um bom dia de mãos bem apertadas, como ele e eu gostamos e como deve ser, me incentivou a escrever, coisa que faço com muita alegria, sendo que minha maior glória ocorre quando alguém me cerca na rua ou em qualquer lugar para dizer-me que leu aquilo que escrevi.

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