João Baptista Galhardo
Viajar é bom. Mas que seja em boa companhia. Agora, mergulhar numa excursão interna ou externa e viajar com quem acabara de conhecer no ônibus ou no aeroporto é jogo duro. Quarenta ou cinqüenta pessoas voluntariamente se obrigando a conviver por sete ou quinze dias. Todos com a sacola da empresa de turismo, com um sorriso meio falso nos lábios, já come-çam disputando janelinha. Depois vem o guia: Alô gente, sou o Jakson, guia de turismo, encarregado de acompanhar vocês nesta excursão. Chegou a hora de cada um dizer o nome e a profissão. Escaldado de uma viagem anterior não disse que era profissional do direito. Há sempre entre os presentes alguém com um processo judicial ou um imóvel para ser regularizado. Resolvi dizer que era representante comercial. O de trás, batendo no meu ombro perguntou: do que? Eu disse: de produtos farmacêuticos. E o cara: que produtos? Improvisei: Biotônico. Fontoura? É isso aí, respondi. P’ra que serve? Anemia. Ah…então deve ter sulfato ferroso. Vem o guia de novo. Quem sabe contar uma piada? Alguém se arrisca e conta uma piada infantil. Aí o Zezão lá do fundo, que já se identificara, inflado de cerveja, com seu inseparável isopor cheio de latinhas, pergunta se a turma conhece aquela da machadada………e conta uma pesada deixando todos envergonhados. Certa vez, na Praia do Futuro, em Fortaleza aproximou-se um sanfoneiro e perguntou se podia tocar e cantar alguma coisa ao lado da minha família. Não só autorizei como lhe dei dez reais. Meia hora depois mudamos de lugar e o homem veio atrás. Precisei dar mais dez reais para ele ir embora. Até hoje tenho no ouvido o nheco nheco da sua sanfona e seu verso: a melhor coisa que tem é com vizinho se dar bem, com o vizinho se dar bem é a melhor coisa que tem. Ainda no nordeste um da turma levou a família no Bar e Dança Lustra Fivelas para comer baião de dois (arroz, feijão fradinho, tarugo de carne seca frita no azeite de dendê, mais rapadura, pimenta e bana-na. Acabaram com o papel higiênico de um andar do Hotel, sem falar da revista de fotonovelas da sogra e um gibi das crianças. Em toda excursão tem sempre um que leva violão, mas que não toca nem canta. O cleptomaníaco que rouba toalhas e talheres de hotel e restaurantes comprometendo todo grupo, justificando com a maior cara de pau que é colecionador. De coisas roubadas? O que dorme e ronca de boca aberta. O que tira os sapatos. Aquele que sabe tudo. O galã que flerta com as mulheres do grupo O carrancudo tolerância zero. Há excursão para todo gosto. Dos jovens, dos velhos, das solteiras, das viúvas, etc. A Vai Quem Quer Turismo organizou uma para a Itália só para vesgos. Em Roma, no ônibus, disse o guia: atenção, se vocês olharem para a direita verão o Vaticano à esquerda. Turista e guia de turismo mentem. Têm aqueles que dizem que “conheceram” toda a Europa em cinco dias. Nesse espaço de tempo não se conhece bem nem o mercadão de São Paulo. E as quinquilharias que se compra? Da França uma lembrança da Torre Eiffel. Da Espanha uma miniatura de touro ou uma boneca flaminguista. Em Portugal um amigo comprou um remédio para matar a sede. Chegando no Brasil leu a bula: “quando estiver com sede tome um comprimido com dois copos d’água que a vontade passa”. Na Espanha um grupo de brasileiros foi a um restaurante e pediu o prato recomendado: “cojones à provençalle”. Ficaram satisfeitos. Voltaram no dia seguinte para repetir o pedido, mas desta vez os testículos servidos eram pequenos. Reclamaram e o garçom justificou: temos um contrato com os organizadores de touradas e é de lá que vêm os cojones. E um dia são dos touros, outro dia pode ser de toureiros. Em Portugal meu amigo Caramuru alugou um carro e pretendendo ir para o país vizinho, perguntou a um senhor que estava sentado na frente de um armazém se aquela estrada iria para a Espanha. Obteve como resposta: não sei não senhor, mas se for vai fazer falta. Ainda em Portugal, no museu, havia um esqueleto de adulto ao lado de outro infantil. Perguntado ao guia do local de quem se tratava o maior, ele “chutou” dizendo que era de Camões. Indagado sobre o menor, respondeu ser do mesmo poeta quando ele era criança. Enfim, as amizades feitas numa excursão com estranhos não passam, no máximo, de um cartão do próximo Natal. E o momento mais alegre de toda viagem é o retorno para casa, o melhor lugar para ficar e ser feliz.