(*) Benê
Era uma madrugada de domingo, comum como a maioria das madrugadas de São Paulo: fria, garoa fina e um sol distante. Poderia ser comum para todas as pessoas, menos para mim que imaginara aquela manhã uma vida toda, sonhava com aquele momento. Havia passado anos da minha vida pensando neste dia e, de repente, a perua que nos levava foi mansamente ganhando a Avenida Interlagos e lá de longe, como numa fita de cinema, eu avistava os trechos da pista que apareciam e sumiam conforme as subidas e descidas que o nosso veículo vencia até chegar ao portão principal do Autódromo. Esfregava minhas mãos, contorcia meu corpo, olhava para os lados, para frente e para trás, estava feliz, ansioso, esperançoso e ao mesmo tempo não via a hora de entrar e realizar um sonho. Ficava imaginando como seria minha primeira volta, se cometeria erros infantis próprios de um estreante ou se faria uma volta com tempo tão bom que não correria o risco de passar um vexame ou mais, fazer aqueles que me levaram passar vergonha pela companhia. Conhecia, no papel, a pista como conhecia a palma de minha mão. Sabia, teoricamente, todas as ondulações do asfalto, as distâncias de cada reta e o melhor traçado para qualquer tomada de curva. Tomei o cuidado de prestar atenção em todos os mínimos detalhes explanados, generosamente, por meu ídolo Evaldo Salerno durante a semana. Enfim, só faltava entrar. Lentamente, acompanhado de uma lanterna, um senhor negro, alto, forte e educado, previamente avisado pelo Centauro Motor Clube, foi tirando o enorme cadeado do portão e liberando a nossa entrada. Mas, antes recebeu um abraço fraterno do Dinho (Edson Dall’Acqua) acompanhado de um garrafão de aguardente dos Irmãos Guerra, da nossa Vila Xavier. E lá fomos nós em busca das melhores acomodações internas.
O brilho do sol
Clareou o dia e as equipes foram chegando. Com elas seus pilotos e eu novamente me encantando, acompanhado do Neto (Olympio Bernardes Ferreira Neto). Fomos visitar um dos boxes e o Neto, muito respeitado no meio, ia me emprestando seu prestígio ao apresentar as “feras”, meus deuses de fotografia. Walter “Tucano” Barchi – que anos antes venceu uma prova na Alameda Paulista – Denisio Casarini, Paulo “Paulé” Salvalagio, tantos outros e, por fim, Carlos Pavan, o Jacaré, o mais arrojado, mais amador, mais carismático e o grande ídolo nacional.
Adrenalina
Começaram os treinos livres da manhã (todas as motocicletas juntas, sem distinção de cilindradas), antecedendo a corrida e lá fui eu, mãos firmes no guidão, saindo lentamente, estiquei as pernas uma de cada vez como que se fizesse um alongamento em cima da moto em movimento. Lá estava enfim… Andei uma volta toda atrás do Baiano Faito (Celso Martinez) para pegar a mão e, depois, com os ajustes que cada um tinha de fazer nos separamos e dessa forma fui me virando e realizando meu primeiro sonho. Já me imaginava um deles quando tomei o primeiro susto. Entrei na curva 1, no limite do meu acelerador. Contornei assim a curva dois, agachado em cima do tanque de combustível, totalmente encolhido sobre a moto para tomar o menor contato com o ar frontal. Mantive a aceleração e, rapidamente, alcancei a maior velocidade que a minha cinquentinha podia dar: algo em torno de 130 klm por hora. Acho que pensei… eu sou F… quando, de repente, passou Paolo Tognocchi com uma TZ 350 de fabrica, pelo menos a 275 km/hora uoooooooooooooonnnnnnnnn, um foguete! E o vento me tirou da rota, minha motocicleta ziguezaguiou e eu me mijei todo. Estava batizado e consciente, não era um deles. Ainda tinha muito chão prá isso. Fui pro boxe me enxugar, respirei fundo e voltei.
Seco na aventura
A corrida começou, larguei bem. Contornamos as curvas 1 e 2, acompanhei o bloco da frente. Descemos o retão em, pelo menos, dez motocicletas. Lado-a-lado chegamos na curva três, já em menos gente. Caminhamos numa meia dúzia para a entrada da ferradura e, subitamente, ao meu lado, ombro-com- ombro, com uma técnica irretocável, olhando nos meus olhos, no meu acelerador e no meu pé e num segundo, brunnnn…brunnnnnnnn, me ultrapassou e foi embora, só encontrei essa “fera” nos boxes, depois de terminada a corrida.
O nome dele
A “fera” que me ultrapassou era o Neto (OLYMPIO BERNARDES FERREIRA NETO), um senhor piloto, de técnica refinada, arrojado, um abnegado do esporte, um espelho para qualquer esportista que queria ser um vencedor, uma pessoa que a vida inteira vem correndo e ganhando, aquela pessoa que tem a áura de campeão, que não desiste e não se entrega e corre… e luta… e vence!!!