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Nações, danações, reinações

Reginaldo Galli (*)

Tia Nastácia havia caprichado no café da manhã. Broinhas de milho e geléia de goiaba, as delícias preferidas por Dona Benta e os meninos. Não se conversou à mesa, toda feita de olhos espertos e bochechas ocupadíssimas.

–Parabéns, Nastácia, hoje você conseguiu nota cem, com louvor.

–Bondade sua, Sinhá. Minha finada mãe fazia muito mió.

Um rom-rom-rom esquisito invadiu a sala. Era Rabicó. Tinha pressentido a aproximação de algum perigo. Na época da quaresma ficava assim, de orelhas em pé, nervoso e acabrunhado. Afinal, toda a sua família fora sacrificada no mês de abril. Se o ruído do calhambe-que fosse o do Padre Serra, mau, mau! É que o estimado sacerdote começava a arrecadar prendas em março, para sua tradicional quermesse pós-quaresma. O marquês já estava suando em bicas, quando veio o alívio: quem adentrava o terreiro era o Coronel Teodorico, compadre de Dona Benta e amigão de todos da casa. Chegou trêmulo, abanando-se com o chapéu, e nem cumprimentou, nem pediu licença. Despencou sobre a rede da varanda.

–Que é isso, compadre ?! Traga a bilha e a caneca, Nastácia.

–Minha nossa! O hómi tá mais branco que galinha legorne, Sinhá!

–Beba, compadre…Isso…Mais um gole… Agora me conte: o que foi que o deixou tão aflito? Raposas no galinheiro ?

–Uma desgraça das grandes, comadre. Pior que febre aftosa, pior ainda que nuvem de gafanhotos! Eu estou chegando da cidade. Preços pela hora da morte e dizem que vão subir muito mais. Lembra a quebradeira de 1929? Estamos à beira de uma guerra, uma guerra!

–Me desculpe, mas acho que o Coronel está variando…Guerra? Que guerra?

–Eu não entendi bem, só sei que é briga de cachorro grande. Se estourar, nós teremos que parar tudo, dispensar os colonos e viver da mão para a boca. Um pesadelo!

–Tem certeza, compadre? Visconde, venha cá. Seu computador está pronto? Funciona? (Ele assente com a cabeça). Então, tente ligar e nos transmita as últimas notícias.

–Vou conectar o provedor Celeiro e acessar a rede mundial ABC, on line.

–Qual ABC qual nada! Vá logo para a XYZ! Dona Benta está com pressa.

–Quieta, Emília! Guarde para si essas asneirinhas. E então, Visconde?

–Dona Benta Encerrabodes de Oliveira (em situações críticas ele assumia um ar solene), discute-se, nas Nações Unidas, um gigantesco ataque ao Oriente Médio. Pode até ser usada uma arma colossal, chamada de bomba-mãe. Se o meu inglês ainda não embolorou, entendi que a English-American Incorporation contratou um tetraneto do Dr. Silvana, aquele cientista maluco, com o propósito de desenvolver o projeto Chave do Destamanho.

–Alto lá! A descoberta da Chave do Tamanho foi minha, bradou Emília.

–Não falei tamanho, falei destamanho. O Big Brother emite eletrônicamente um mega “virus belicosus” sobre todos os países que desejar. Aquele que não dispuser de um anti-vírus igualmente possante, cai como um patinho nas mãos do agressor. Os governantes ficam miudinhos, à mercê dos graúdos. Uma formiguinha sob as patas de um elefante. Compreenderam? Itália e Espanha já foram capturadas. Somente a França, a Rússia e talvez a Alemanha e a China atualizaram-se para neutralizar a sanha de um poder mundial hegemônico. O Presidente da ONU, Sr. Kofi Annan…

–Não esnobe, Visconde. Coffee Anão é café pequeno, um cafezinho. Certo?

–Narizinho, lacre com adesivo a porta dessa fábrica de tolices. Então…

–Como eu dizia, o Sr. Kofi Annan está em palpos de aranha para evitar o pior. A guerra já tem até dia marcado. Apenas duas semanas nos separam de um novo morticínio.

–Que horror! É o bicho-homem exteriorizando sua animalidade subjacente. afirmariam os antropólogos e os especialistas nas psico-patologias do chamado “homo sapiens”.

–Vovó, e se nós fôssemos lá tentar reverter o quadro? Dá tempo, disse Pedrinho.

–Dona Benta, seu neto pirou de vez! exclamou o Coronel. Brincadeira tem hora.

–Qual nada. Você não sabe do que eles são capazes. Até à Lua já foram…

–E buliram com meu São Jorge! lembrou Nastácia. Que pecado, cruz credo! Mas ele adorou os meus bolinhos. Taí a Sinhá que não me deixa mentir.

–Muito bem, estou de acordo, Pedrinho. Dê ou não dê certo, ficarei orgulhosa. Trata-se de uma nobre, humanitária tentativa. Temos pó de pirlimpimpim suficiente para ida e volta? Faça as contas, Visconde.

— Considerando a quilometragem, possíveis ventos contrários, baixa pressão atmosférica…hum…hum…acho que dá para duas pessoas. Com alguma sobra, até.

–Pois está decidido. Narizinho leva Emília no colo e Pedrinho põe o Visconde nas costas. Agasalhem-se bem e só levem o indispensável. Creio que este dinheiro basta.

–Aí vamos nós, Sr. Cafezinho! Era a Emília, livre da mordaça e já ajeitando a famosa canastrinha.

SOMENTE A PUREZA DA FANTASIA INFANTIL E O QUE DELA PERSISTE EM NÓS PODERÃO SALVAR O MUNDO.

(*) É professor e colaborador do JA

(r.galli@uol.com.br)

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