Nem acreditei no que meus olhos mostravam. Lá estava ela, puxando a infalível malinha praça adiante. Na cabeça, nos ombros, no peito, bandeiras vermelhas e verde-amarelas ornamentavam o sorriso cansado, o passo trôpego, o ar vitorioso. E ainda respondeu ao repórter com a doçura determinada de sempre: “Jamais poderia perder isto, esperei a vida inteira, tinha que estar aqui, não faltaria por nada deste mundo…”. Demorei a compreender o real motivo que a teria levado a Brasília, tanto quanto os 150 mil outros brasileiros que lotaram a Praça dos Três Poderes para assistir à posse de Lula Presidente.
À primeira vista poderia parecer ingênuo de minha parte admitir que não compreendia muito bem o motivo de tanta festa, mas na verdade, pontos cruciais do tecido da minha reflexão careciam de consistência maior. E foi a intelectual Celina – filósofa, teóloga, doutoranda e docente de uma das maiores universidades do país – quem possibilitou o nó que faltava: a festa a Lula deve-se muito menos à tietagem do que à representação do que ele encarna de tudo o que faltava aos brasileiros em matéria de crença em algo mais que promessas vãs. É, de fato, o renascer da esperança num líder que foi sendo formatado durante décadas e décadas, na cabeça de cada vivente tupiniquim, ao mesmo tempo em que convivia com descrenças e desesperanças, com desmandos e desarranjos políticos que cotidianamente afundavam a possibilidade do renascer das cinzas em que se tornavam as instituições públicas brasileiras e seus espaços de poder formal. É a volta da crença no homem tornado incomum, que ascende aos espaços palacianos sem abrir mão da simplicidade, do cheiro e do jeito de povo, até de quase carregar a mulher pela mão ante as dificuldades impostas pelo cerimonial. Mais que a festa da democracia é a festa do surgimento do líder que poderá conduzir os homens e as mulheres deste país a ela. Em outras palavras, aquele que se dispõe a carregar e a indicar para onde deve ir o piano. Nas suas próprias palavras, dia 01 de janeiro foi o dia do reencontro do Brasil consigo mesmo. E eu completaria – foi também o dia do encontro dos brasileiros e das brasileiras com o líder gestado pacientemente durante o longo tempo em que durou a nossa crença num mundo melhor.
Além da alegria, tenho certeza que Celina levou na mala para Brasília e de lá – na volta – para Belo Horizonte um desejo-esperança maior que a determinação de ver o seu líder de perto: que ele não tenha pés de barro. O mesmo desejamos todos nós. Que Deus o (e nos) proteja!
(Rosa Godoy)