Mais que respeito, questão de sobrevivência
Gizella Gomides Castro (*)
Ainda que as informações disponíveis reforcem a idéia de que a maioria das vítimas fatais da violência armada é homem, especialmente jovens, as mulheres apresentam dados e sofrimentos desproporcionais nesta estatística. Elas aparecem como vítimas fatais da violência armada, mesmo que raramente comprem armas.
O que significa isso para mulheres e meninas?
As mulheres ficam no meio do fogo cruzado tanto em tempos de guerra, quanto em tempos de paz. Podemos, sem dúvida alguma, considerar que seu sofrimento se dá de forma direta ou indireta.
São elas que sofrem diariamente o risco de serem vítimas de crimes por força do sexo, como no caso o estupro, a violência doméstica; a ameaça; o cárcere, e a pressão psicológica, entre outros.
Também podemos descrever aqui o sofrimento por verem seus filhos, parentes e maridos atingidos pela violência armada, tornando-os deficientes físicos ou até mesmo mortos, fazendo com que as mesmas assumam as responsabilidades pelo sustento da família, ou seja, não podendo mais compartilhar com uma divisão no processo de formação e de sobrevivência de seus entes.
Já sabemos e temos clareza que a violência contra a mulher, seja qualquer natureza e venha através de qualquer objeto como cinto, faca, punho, soco, etc, tem raízes profundas na sociedade e caracteriza um retrocesso acentuado na evolução de direitos e na igualdade entre homens e mulheres.
Notório também por todos é o caminho percorrido pela violência contra as mulheres que acontece dentro de um contexto e de uma variedade cultivada historicamente por diferentes gerações que atravessa fronteiras, religiões e classes sociais.
Isso não deve significar para nós, mulheres, que a violência é natural ou inevitável, mais sim um fato que vem sendo tolerado por práticas culturais. Isso mostra uma outra cara da violência, que talvez nem nos demos conta, que é o abuso que sofremos pela falta de penas mais severas aos agressores. É também resultado da omissão de nossos governantes e isso nos deixa claro a guerra que temos que vencer em tempos de paz.
Desta forma, é evidente que qualquer que seja o contexto ou a causa da violência, a presença das armas tem um reflexo claro nas estatísticas: 44% dos homicídios de mulheres são cometidos com a arma de fogo (isso só nas Capitais) Datasus, 2002.
Dois terços dos casos de violência contra a mulher têm como autor o próprio marido ou companheiro Datasenado, 2005. De acordo com os dados do FBI, relativos a 1998, para cada vez que uma mulher usou a arma de fogo em legítima defesa, 101 vezes esta arma foi usada contra ela.
Quando existe uma arma dentro de casa, a mulher corre muito mais risco de levar um tiro do que o ladrão. Ou seja, uma quantidade maior de armas significa um maior perigo para as mulheres, o que evidência que não podemos falar de respeito dentro desse contexto, mas sim de como sobreviver em tempos de violência à mão armada.
Na Câmara dos Deputados, em Brasília, recentemente aconteceu um Seminário “Violência contra a mulher – um ponto final”, onde o Titulo VI (Medidas Cautelares com Relação aos Acusados), artigo 26 ponto 1, trata da suspensão do porte de armas do agressor em situação de violência doméstica, mas os movimentos organizados de mulheres já fizeram um alerta na eficácia da redação desse dispositivo pelo comprometimento do uso do termo Porte, ao invés de Posse.
“Porte” faz referência ao ato de carregar uma arma na rua, no carro, ou outros espaços públicos. “Posse” caracteriza possuir uma arma, tê-la em casa, no espaço privado, onde, sem dúvida, ocorre a maioria dos crimes contra as mulheres. O que o Estatuto do Desarmamento já tornou praticamente inviável a concessão do porte de armas para os civis, salvo em caso necessidade comprovada.
No dia 23 de outubro, neste domingo, será votado o Referendo do Desarmamento e todas as brasileiras irão às urnas para decidir, uma vez que somos a maioria do eleitorado brasileiro, se queremos acabar com o comércio de armas e munição em nosso País.
Essa não será uma votação tranqüila, pois tem várias contradições que ainda precisam ser vencidas. Mas não podemos perder a oportunidade de nos manifestarmos e externar a todos que temos conhecimentos dos números da violência que sofremos e que vivemos, construindo diariamente tempos de paz, podendo haver conflitos de idéias de forma que a violência não tenha entrada, pois já avisa o ditado “onde há violência, todo mundo perde”.
(*) coordenadora geral do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (Cedro Mulher).