João Baptista Galhardo
Quando vejo o estrago que as drogas fazem aos nossos jovens. Quando assisto pela televisão, ao vivo, a troca de tiros no Rio de Janeiro, fazendo vítimas inocentes. E que essa violência urbana é financiada pelo nariz de jovens e adultos de todas as classes sociais, relembro, não com nostalgia, mas para reflexão comparativa, como, em regra, os jovens dos anos cinqüenta, se divertiam numa noite de domingo em Araraquara. O “centro” foco principal do divertimento – compreendia o trecho da Avenida Espanha até a Avenida São Paulo, na rua São Bento, onde ficavam os cinemas Odeon e Paratodos, o Teatro Municipal, hoje Prefeitura, os clubes Araraquarense e o “22 de Agosto” ali por perto na Avenida Portugal, a esplanada e os Bares mais movimentados. Minha turma era formada por colegiais, que tinham também alguma outra ocupação. Na noite de domingo os amigos se reuniam no “centro”. Primeiro compromisso ir ao cinema. O Odeon, depois Veneza (hoje uma Igreja) era o preferido. As luzes eram mantidas acesas até o filme começar. As moças sentadas e os moços andando nos corredores, flertando com as meninas, que guardavam um lugar ao lado, para eventual “paquera”. Terminada a sessão, as moças permaneciam por um certo tempo subindo e descendo- a esplanada, quarteirão que faz frente hoje para a Prefeitura. E os moços parados, namoricando pelo olhar. Quem tinha, levava a namorada para casa. A pé, de mãos dadas e depois retornava ao “centro” para se juntar aos amigos. Aí escolhíamos um lugar para tomar um lanche, segundo o “fluxo de caixa” de cada um. O Bar do nosso amigo Olympio Bolsan era uma pedida. Assim que a turma entrava no seu estabelecimento, e pedia uma pizza previamente escolhida, o garçom já sabia que deveria cortá-la de acordo com os presentes. Um pedaço para cada um, acompanhado de refrigerante ou de uma cerveja, tomada em slow motion, bem lentamente para não acabar logo, ao som de Ray Connif, Lucho Gatica ou de Bienvenido Granda. Todos de paletó e gravata, imprescindíveis até para entrar no cinema. Eu tinha apenas um paletó, que se tornou meu amigo e companheiro. No verão me era leve. No inverno me aquecia. Meus amigos o apelidaram de “manto sagrado”. Ainda o tenho. Qualquer dia vou vestí-lo. Assim que perder uns quilinhos. Outro lugar que freqüentávamos era o Bar Tamoio, do cavalheiro Luiz Gonçalves da Silva. Ficava em frente à (hoje) Prefeitura. Ali havia três lanches em ordem decrescente de preço: um bauru (pão, carne, queijo e tomate); um pão com lingüiça (o Baiano garçom e cozinheiro pegava um “gomo”, fazia-lhe uma cesariana de cima para baixo, achatava na chapa, para assar logo e colocava no meio do pão). E o último, um lanche próprio da casa e servido pelo Joaquim. Era alixe desfiado no meio de muita cebolinha, curtidos no óleo, dentro de um vidro de bala. Mergulhava-se ali uma colher grande, comprimia-se o azeite e enfiava no meio de um pão. Bom também. Mas quando essa era a opção, chegando em casa, dava vontade de dormir no tanque de lavar roupas, de barriga para cima, com a boca e torneira abertas, para matar a sede. O Bar do Oguri ficava, na rua São Bento, quase esquina da Duque de Caxias. Servia um cachorro quente, com mostarda e ketchup, acompanhado de uma laranjada que pulava dentro de um vidro sobre o balcão ou de um vitaminado, preparado pelo Luiz Oguri : um pedaço de abacate, um pedaço de banana, duas colheres de açúcar cristal e leite gelado, que enchia um copo duplo, tomado com ou sem canudinho. Ao lado do Oguri, estava o Bar do Hanai, onde se comia um bom bauru feito à vista do freguês. Para entretenimento, o garçom Batigaglia, tocava marimba em garrafas com água, penduradas estrategicamente na frente da prateleira. Mais para cima, perto do cinema, instalou-se o bar do Bueno, uma boa pessoa, que vendia cachorro quente e refrigerantes. As salsichas, mergulhadas num suculento e imbatível molho, nadavam alegremente numa higiênica forma de inox, mantida aquecida. Essa grande figura, fez a revolução dos “duros”. Lá pelas tantas, acabando as salsichas, ele fazia liquidação por qualquer preço do seu pão com molho. Acompanhado de uma soda limonada, era uma ceia. Aí terminava a “farra” do domingo à noite. Mais um dedo de prosa e os amigos se despediam, indo cada um para sua casa. Nenhum da minha turma de amigos foi reprovado no colégio. Todos colaram grau em cursos superiores. Formaram belas e felizes famílias, Estão todos vivos, com saúde e ainda praticando esportes. Se os jovens de hoje, pudessem, pelo túnel do tempo, nos visitar nos anos cinqüenta, por certo de lá voltariam nos chamando de babacas e imbecis. Mas com a certeza de que naquela época ninguém morria por bala perdida nem por overdose de pão com molho.