Rosa Godoy (*)
Mãe de 13 filhos, avó de 27 netos, aos 48 anos (17 dos quais trabalhando na praia) Marisa vive de fazer tererê nas praias de Arraial d’ Ajuda. Enquanto conta sua história, as mãos habilidosas vão dando forma aos cabelos da moçada. “Não que gente mais velha não goste…”, diz ela, “é que tererê é mais coisa de jovem”.
Baiana genuína, diz-se satisfeita com a vida que leva. “Eu podia fazer como a minha irmã que foi embora daqui prá trabalhar em São Paulo. Eu não quis. É que aqui a gente vive duas vezes, minha filha, nem se vê o tempo passar. Ainda mais com um trabalho destes, que se conhece tanta gente interessante”.
A Bahia é um dos Estados brasileiros do Nordeste onde o turismo é mais desenvolvido. Em Porto Seguro, impressiona a quantidade de pousadas, hotéis, bares e restaurantes à beira de praias paradisíacas, oferecendo preços e condições para todos os gostos e bolsos, de acordo com o poder de compra do visitante. As lojas de Arraial d Ajuda e Trancoso não perdem para as boutiques das capitais do sul do país.
Ocorre, porém, um fenômeno preocupante. Quanto mais sofisticado o equipamento, mais freqüentes são os proprietários provenientes de outros Estados, em geral do Sul e Sudeste, mais ricos que a própria Bahia. Como são conhecidos, também não é raro encontrar pessoas que revelam a identidade, a procedência e até outros fatos relacionados aos poderosos, quase sempre acompanhados de crítica procedente. Gilson (motorista de táxi), acha que o turismo pode até ter trazido benefícios sociais porque trouxe emprego, porém, os que mais levam vantagem são os que têm mais dinheiro, como sempre. “Na temporada, os hotéis e as lojas empregam muito, há trabalho pra quem quiser trabalhar. Depois, passa-se um tempão sem ter nada prá fazer. É um tal de catar daqui e d’acolá um bico ou outro, porque todo mundo tem que comer. Mas o turismo mesmo é perverso – só faz enricar quem já tem dinheiro. Aqui só dá gente do Sul. Chega rico e fica mais rico ainda. Tem um aí que começou com um hotel e hoje já tem vários, virou até vereador. O pobre só tem vez é de vez em quando. E vai ficando cada vez mais pobre…”
Marisa, no entanto, fala que não tem do que se queixar. Sempre tem freguesia, sempre tem uma cabeça ou outra prá embelezar. “Boniteza é coisa que todo mundo gosta, homem ou mulher, rico ou pobre. Teve até um cabelereiro que veio de São Paulo prá cá porque queria aprender a técnica do tererê. Sentou ali e me disse: 'Faz aí o que você sabe, que não vai se arrepender. Me mostre tudo’. Fiquei ali fazendo, fazendo e ele olhando, aprendendo. Perguntava e eu explicava. Fiz de todos os modelos de cabelo, só não pude implantar porque não tinha material, é muito caro. Depois de sabido, ele me pagou e foi embora… e assim vamos indo como Deus quer”.
Exibe um guarda chuva que tem nas pontas, presos, todos os modelos de enfeite que podem ser oferecidos aos clientes. Exibe, orgulhosa, o adorno incomum. “Este guarda-chuva já saiu até na Turismo Capital, foi o maior sucesso”. Da vida, espera acabar de criar os filhos e os netos com a mesma alegria e disposição que teve até agora. “Todo dia pra mim é tempo. Marido não quero mais não. Prá que, se posso fazer tudo sozinha? Tenho minha família e é o que importa”. Pouco a pouco as crianças vão se acercando da avó e ela os vai apresentando, desfilando seus nomes, idades e quem são suas mães. Dos pais, pouco se fica sabendo. Como quase 50% das famílias pobres brasileiras, é uma família composta por pequenas famílias chefiadas por mulheres.
Sua experiência é fundamental quando uma espinha de peixe entala na garganta da paulista desavisada. “Coma, coma esta banana, minha filha. É um santo remédio. Ou então vá lá no banheiro e faça o seu serviço. Se não sair, só o médico dá jeito”. Coisa de mãe!
Na saída abençoa-nos a todas, desejando “sorte, sucesso e que voltem sempre”. O sorriso franco e os acenos nos acompanham até onde a vista alcança, na curva da estrada. Com simplicidade e sabedoria, ensina que por mais bela que seja a paisagem, a natureza não é nada sem as pessoas que lhe dão sentido.
(Ofereço este texto à Marisa do tererê, da praia dos Nativos em Trancoso, em homenagem ao Dia das Mães).
(*) É Enfermeira e colaboradora do JA.