Luiz Bombarda, um amigão meu que se foi na quarta-feira da semana passada e me deixou a meditar em dezenas e dezenas de episódios que participamos juntos, na prestação de assistência à saúde de inúmeros trabalhadores rurais da agricultura canavieira da região.
Os leitores sabem que trabalhei no Ambulatório da Associação dos Fornecedores de Cana, fui Diretor durante três lustros e atendi consultas de todo tipo num total de 37 anos, durante os quais adquiri uma experiência muito válida em Medicina Geral e, paralelamente, uma interessante experiência de vida.
Fiz muitas boas amizades na instituição e me relacionei muito bem com os proprietários das fazendas da região, especialmente com aqueles que se preocupavam com os problemas de saúde de seus empregados rurais, trazendo-os pessoalmente em seus automóveis, peruas, caminhonetes ou caminhões para passarem por exame médico. Durante muito tempo, éramos apenas dois Médicos para atendermos tudo: o Dr. Octávio de Arruda Camargo de manhã e eu à tarde.
Um dos proprietários de fazenda com quem mais convivi foi justamente o amigão Luiz Bombarda, que a gente chamava de Gim, dono da Fazenda Itaporanga, perto de Américo Brasiliense. Nos Estados Unidos existem muitos Jim ou Jimmy, com Jota, sendo apelido de James. Gim, com G, como o dele, vem do nome Luiz em italiano, que é Luigi. As mães gritam Luigino quando os meninos estão longe e eles acabam com o apelido de Gim.
Quando o Gim Bombarda trazia seus empregados, ele tinha um hábito todo especial que acredito ter sido o principal motivo do estreitamento de nossa amizade. Antes da consulta de cada um de sua fazenda, ele entrava em minha sala e me dava algumas dicas de qual a doença ele achava que o paciente estava sofrendo, fazendo isto com especial humor e de uma forma muito pitoresca.
Um dos casos que mais me lembro foi de uma jovem de seus 16 ou 17 anos que ele trouxe na perua dele e já entrou rindo em minha sala, contando que desconfiava que ela estava grávida, porque ela veio desde a fazenda enxugando a baba da boca num lenço. E me contou que: um quarteirão antes de chegar no ambulatório, ela havia jogado o lenço pela janela da perua porque ele estava molhado de saliva. Aí ele completou: "Olha, Dr. Guaracy, se ela está grávida ou não, eu não tenho nada com isto, eu só quero que o senhor dê algum remédio prá secar a boca dela, porque agora ela está sem lenço e vai melecar a perua toda com a baba…"
Ele era uma alma nobre, tanto que, por 40 anos, dedicou muito de sua vida a prestar serviços e ajuda na manutenção do Asilo de Mendicidade de Araraquara, que no dia 21 de janeiro último completou 85 anos de existência.
Luiz Bombarda desempenhou um serviço digno e humanitário ao Asilo, sem fazer alarde público disto, mas sua atuação foi tão marcante que, nos últimos anos, seus pares de diretoria o elegeram Presidente de Honra da entidade, onde sua memória será honrada por muitos e muitos anos.
Nossa boa amizade foi fortalecida também porque cuidei da saúde dos familiares do Luiz Bombarda, quando sua filharada era juvenil e infantil, inclusive o hoje meu amigo e colega Médico, Dr. José Manoel Bombarda, conceituado Psiquiatra e dedicado Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
Certo dia em que fui até a Fazenda da Família Bombarda, num fim de tarde, eles estavam saboreando deliciosas panhonhas que eram feitas com uma produção especial de milho que o Gim cuidava pessoalmente, ao redor de casa. Eu comi umas quatro ou cinco e falei que gostei das pamonhas. Isto era verdade e me valeu que passasse a ser convidado todas as vezes em que saíam as famosas pamonhadas.
Já contei neste espaço e vou contar de novo que o Gim Bombarda me fez um precioso diagnóstico em minha pessoa num determinado dia em que ele apareceu lá no Ambulatório da Associação da Cana, trazendo algum paciente de sua Fazenda.
Justo na hora em que ele chegou, fui chamado ao telefone e saí de minha sala de consultas para ir até à secretaria e atender. Quando estava voltando para o consultório, o Gim Bombarda me perguntou por que eu estava pisando esquisito. Respondi prá ele que estava sentindo uma coceira no pé e que estava pisando de lado para matar a coceira. Ele me perguntou: "Não é uma coceira que nem a de bicho-de-pé?" Eu respondi meio sem jeito que de fato parecia. Ele completou: "Então, seu doutor, não é que parece bicho-de-pé, éééééé bicho-de-pé que o senhor tem!" Eu retruquei prá ele que não andava descalço, não havia ido a nenhuma fazenda, nem no Náutico… Em tom explicativo, ele me disse: "O senhor sabe que o bicho de pé é uma espécie de pulga peluda, ela veio na roupa de alguém e o senhor pegou ele aqui mesmo no ambulatório…"
Ao acabar as consultas do dia, corri prá casa para ver meu pé com minha lupa, secretamente. Realmente, eu estava com uma "batatona". Corri até à cooperativa prá comprar uma latinha de creolina, tirei meu bicho-de-pé com um bisturizinho pontudo e despejei a creolina, que era o remédio que meu pai sempre usou nos bichos-de-pé de minha meninice.
Meu inesquecível amigo Gim Bombarda me fez um inesquecível diagnóstico de bicho-de-pé, sendo meu pé um pé de doutor que não tinha nada a ver com fazendas… Mas eu tinha a ver com o povo das fazendas…
Lá no Universo dos Justos, meu amigo Luiz Bombarda já deve estar fazendo sucesso: fazendo amigos, fazendo os outros rirem e fazendo grandes diagnósticos espirituais com aquela bondade e aquela alegria, que foram suas marcas registradas enquanto esteve entre nós…