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Guardiãs do referencial

Rosa Godoy (*)

Quem nunca riu de uma boa piada sobre a eterna e divertida “guerra dos sexos”? Claro que sim, pois o humor (de bom gosto) ainda é bálsamo para as mazelas da vida. Mesmo a feminista mais arretada ou o machão mais peludo não se contém diante de uma boa tirada de sarro de mulheres, homens e suas fraquezas.

Por que então, de vez em quando, encontramos pessoas que se arvoram a fazer críticas completamente destrutivas, com base em supostos ataques ao que consideram politicamente correto? Ofendidas no âmago do seu ser, nem mesmo param para pensar se as raízes do que fazem encontram-se na defesa do referencial teórico que embasa sua crítica ou em outros âmbitos, inclusive na forma como se relacionam socialmente.

Lembro-me bem de duas colegas de trabalho que se diziam “críticas por princípio”, baseadas em que esta atitude deve fazer parte da função social de cada ser político, portanto, dos humanos. Para elas, tudo deveria ser criticado pois que todo fenômeno apresenta contradições. Mesmo sendo esta uma atitude que pode ser considerada responsável, o dia a dia com tais pessoas torna-se insuportável. Será que deve ser assim? Será que tudo deve ser alvo de ajuizamento e submetido a duras interpretações para que tenhamos oportunidade de crescer, de rever conceitos, posições e, assim, mudar o mundo para melhor? Passar “pente de piolho” em cada produção do outro (e mesmo na nossa) pode levar à crítica pela crítica, sem possibilidade de superação, pois que nem sempre traz consigo sugestões ou alternativas de transformação do que está sendo criticado.

Durante muito tempo, o feminismo fincou sua vocação na crítica social, na esperança de que assim tornaria visível as questões das mulheres para toda a sociedade. Foi a fase de slogans como “morte aos homens”, convivendo com a recusa de qualquer manifestação de feminilidade. Datam desta época, a queima dos sutiãs, a recusa da maternidade e outras medidas que acabaram levando as feministas ao limbo da recusa da identidade feminina da época sem, necessariamente, substituí-la por outra mais confortável ou apropriada para os interesses das próprias mulheres. E as próprias mulheres recusaram-se a aderir a tais propósitos, num esvaziamento político que quase levou para a cova um movimento dos mais significativos da humanidade.

Felizmente, hoje, vemos isto mudar e ser feminista não é mais sinônimo de estar permanentemente em guarda contra os homens. Ao contrário, cada vez mais as mulheres sabem onde querem estar e isto não significa que seja atrás ou na frente dos homens, mas ao seu lado, tanto quanto os querem ao lado e junto delas (na cama, no trabalho, em casa…)

Na era de retomada da solidariedade, do respeito mútuo, da compaixão e outros que estão acima de quaisquer diferenças de sexo, classe, raça ou geração, nada como estar cada vez mais exercitando tais valores com todos os que estão à nossa volta. E este “todos” inclui os homens, sejam os nossos ou os demais.

Não podemos nos esquecer que guardião é aquele cuja missão é estar permanentemente de olho no que está sendo guardado e é parte da sua condição de existência não ver mais nada além disso. Assim, enquanto as guardiãs do feminismo mantêm os olhos no ataque masculino às mulheres (que nem sempre estão ou sentem-se atacadas), perdem a oportunidade de acompanhar as mudanças que ocorrem à sua volta. Por assim dizer, para não abrir mão da crítica, perdem o trem da história. Como eternas inconformadas, contentam-se com o sabor amargo da vitória de não deixar passar nada, do supérfluo ao descabido. Serão elas mais felizes assim? De minha parte, prefiro deixar o ataque para aquilo que realmente coloca as mulheres em perigo. A vida está cheia disto, não precisamos inventar mais ou enxergar problema onde não tem.

(*) É Professora Titular da Escola de Enfermagem da USP e coordenadora da Coseas, especialmente para o JA.

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