Fernanda Mena
Justo no dia de uma prova importante, Sabrina (nome fictício), 16, aluna do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, teve um exame de ultra-som marcado pelo médico. “Não sabia o que escolher. Precisava fazer o exame e a prova.”
Optou pelo exame. E, uma hora depois, foi informada de que estava grávida de quatro meses. “Saí da clínica desorientada. Ainda assim corri pra escola e consegui entrar na sala atrasada. Eu, com aquilo na cabeça, tive de resolver 45 questões difíceis. Respondia e chorava, respondia e chorava”, conta. “Nem acreditei quando vi o resultado: não fui mal, não.”
Grávida, ela decidiu seguir os estudos. Sabrina é, segundo uma pesquisa inédita da Unesco (órgão da ONU para educação, ciência e cultura), uma exceção: levantamento feito com mais de 10 mil jovens nos 26 Estados do país apontou que as meninas deixam mais a escola do que os meninos na faixa etária dos 15 a 17 anos. As três principais causas para o afastamento prematuro da escola são necessidade de trabalhar, gravidez não-planejada e dificuldades de aprendizado.
Sabrina e Isabel, que continuam na escola
Uma gravidez não-planejada fez com que Verônica Ribeiro da Silva, 18, parasse de ir à escola, aos 16 anos. “Achei que o pessoal ficaria comentando a gravidez. Fiquei com vergonha e larguei a escola.”
A Unesco traçou o perfil do jovem brasileiro fora dos bancos escolares com idade de 15 a 17 anos, faixa própria para a freqüência no ensino médio –grande gargalo da educação básica.
Seus dados apontam que há mais de 1,5 milhão de jovens nessa faixa etária fora da escola e inverte o senso comum que diz que há mais meninos que meninas atualmente sem estudo por conta da necessidade de trabalhar.
Entre os jovens de 15 a 17 anos que abandonaram os estudos, 56% são meninas. Por outro lado, a pesquisa reitera a noção de que os negros são desfavorecidos pelo modelo educacional de hoje: 72% dos jovens que estão fora da escola são negros ou pardos.
Gravidez e abandono
“Não tenho dúvidas de que o desequilíbrio entre o número de homens e mulheres fora da escola está, em grande parte, na questão da gravidez precoce”, avalia Eliezer Pacheco, presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
De fato, após deixar os estudos, Verônica –hoje com dois filhos por conta de uma segunda gravidez não-planejada– constatou que mais de 15 amigas suas viveram o mesmo drama: engravidaram adolescentes e, segundo ela, a maioria deixou a escola.
“A gravidez é um fator conhecido de abandono escolar”, afirma o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza. Para ele, é preciso que os ministérios da Educação e da Saúde atuem em conjunto em programas de prevenção nas escolas e que o governo injete verbas em organizações da sociedade civil que auxiliam essas jovens. Tudo para garantir que o jovem complete o ensino médio, que, “há pelo menos 15 anos vem sendo exigido como pré-requisito para qualquer tipo de emprego”.
Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do programa Saúde do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde, especialista em gravidez na adolescência, explica que a gestação precoce é uma situação turbulenta em um período da vida já conturbado.
“A gravidez muitas vezes substitui o interesse das meninas pela escola. É preciso muito apoio da escola, da família e da sociedade para que ela tenha segurança para continuar os estudos.”
Para ela, a escola é um fator protetor para as jovens que estão grávidas ou que já tiveram filhos. “Freqüentando a escola, ela continua a integrar um grupo e a ter outros interesses e atividades que não sejam apenas a maternidade”, diz. “Jovens que abandonam a escola voltam a engravidar mais rapidamente que aquelas que prosseguem estudando.”
O caso de Verônica é emblemático. Após o primeiro filho, não voltou à escola. Três meses depois, estava grávida novamente. “A segunda gravidez é muito determinante. Depois dela, a menina não volta para a escola mesmo”, diz Takiuti.
Isabel (nome fictício), 17, ao contrário, fez sua matrícula logo que saiu da maternidade, aos 14 anos, e hoje enfrentará a segunda gestação dentro da sala de aula.
Mudança de comportamento
Suzanna Caveraggi, pesquisadora do Núcleo de Estudos Populacionais (Nepo) da Unicamp, explica que a mudança no comportamento sexual dos jovens não foi acompanhada nem pelo Estado nem pelas famílias. Para ela, porém, esse é um período de adaptação que deve, em breve, alterar os dados sobre gravidez precoce.
De 1991 a 2000, houve um aumento de 25% na fecundidade de jovens de 15 a 19 anos. Já de 2002 para 2003, de acordo com dados do IBGE sobre registro civil, houve um aumento de 12% nos partos de adolescentes -menor que a média da década anterior.
“O que interessa nesse caso não é o aumento ou não da gravidez precoce, mas o planejamento de uma estrutura social em que essas meninas possam permanecer na escola”, diz a pesquisadora. “A falta de perspectiva dessas jovens pode ser anterior à gravidez e residir no desemprego e na baixa qualidade da escola.”