Antonio Delfim Netto (*)
O mercado de trabalho no Brasil obedece a regras muito mais flexíveis do que está expresso na Lei. Isso vem sendo demonstrado pelos acordos feitos nos últimos meses, com parcelamento de aumentos de salários e até mesmo a concordância em receber salários menores em troca da manutenção dos postos de trabalho. Estamos assistindo a um processo de ajuste meio na marra, à margem da Lei mas perfeitamente adaptado à realidade de uma dramática redução da oferta de emprego e de uma queda na renda real do trabalhador de 15 % nos últimos doze meses!
Uma boa parte dos acordos praticados este ano no mercado de trabalho prevê apenas a correção da depreciação da moeda, quer dizer, não há nenhum aumento real. Quando estão envolvidos na negociação os sindicatos mais fortes e as grandes corporações, o máximo que se obtém são aumentos reais que não passam de 1% ou 2%. É a forma que trabalhadores e empresários encontraram para se adaptarem ao processo recessivo que estamos vivendo, pela compreensão que é este o caminho para a sobrevivência das empresas e dos empregos. Quando as condições de caixa não permitem conceder os aumentos, de nada adianta forçar a mão, invocando a Lei: se o empresário tiver que recorrer ao crédito bancário para pagar a folha, no atual nível de taxas de juros, adeus Maria … Numa larga medida, a realização desses acertos mostra que o trabalhador já percebeu que se o empresário é forçado a ir ao banco, é o seu emprego que vai entrar na zona de perigo.
Eles mostram também que têm razão aqueles que defendem a flexibilização das leis trabalhistas, abrindo um espaço maior para o livre entendimento entre patrões e empregados. Não se trata de abolir direitos conquistados em tantos anos de lutas trabalhistas: trata-se de aperfeiçoar uma lei cristalizada, que ignora a passagem do tempo e impede que se aproveitem todas as vantagens do entendimento entre duas mentes inteligentes, interagindo para escolher a melhor forma de convivência, de acordo com as circunstâncias.
Na prática, o que está acontecendo no Brasil revela que é possível avançar num processo de flexibilização que dê mais liberdade às partes na negociação dos direitos trabalhistas, não para reduzí-los mas para atender aos objetivos de crescimento da atividade econômica e de criação e manutenção dos empregos. Não creio que após quase uma década de baixo crescimento econômico, com aumento do desemprego e queda dos níveis de salário real, alguém ainda possa duvidar do seguinte: só com o aumento da oferta de empregos, com a ampliação do mercado formal de trabalho, é que serão criadas as condições de crescimento da renda salarial dos brasileiros.
(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br