Eduardo Luzia: uma vida dedicada às motocicletas

(*) Benê

Para mim o berço do motociclismo de competição em Araraquara foi uma modesta oficina localizada à Avenida Presidente Vargas, esquina com a rua Tenente Joaquim Nunes Cabral (Quinze), no Bairro do Carmo, num prédio assobradado e composto de portas comerciais isoladas onde funciona ao lado, até hoje, o Ferro Velho da família de Francisco Merlos. Lá ADOLPHO TEDESCHI do Moto Dumbo acelerava com seu talento o sonho de uma geração. Lá ouvi o primeiro tirintar verdadeiro de um motor de corrida, prazer indescritível para minha alma.

Algumas pessoas passam a vida toda fazendo a mesma coisa… o que as diferenciam é que todo dia, para elas, é um novo dia e nova será sua dedicação, novos serão seus conhecimentos, suas alegrias e as suas emoções.

A maioria se contenta com o que tem, a mesmice de sempre, com o trabalho entristecido que amarga os anos em busca de aposentadoria, com capital que acumula nunca condizente com o que julga merecer ou até acomodada com aquele tampouco de tudo.

Outras pessoas não. Da mesma maneira nunca conformadas e nunca satisfeitas com um resultado estático dos seus anseios se tornam diferenciadas e, por conseqüência, as melhores. São determinadas, incansáveis, corajosas, aquelas que quando o dia termina interiorizam a sensação de que não fizeram tudo que podiam e, certamente, até o amanhã sonham, acordam e começam tudo de novo, como se o novo sol fosse único e, pela última vez, nele se agarram em nome das suas emoções.

A diferença

Conheci várias pessoas assim, umas famosas outras não. Isso não importa. O que importa é que existe uma força que as move em direção aos seus sonhos e isso não se apaga. Isso o tempo, com toda sua sabedoria, não consegue mudar, antes, converge para seus objetivos.

Foi ali também, numa daquelas portas, que eu vi pela primeira vez EDUARDO LUZIA, um expoente de tudo que mais me encantava: corrida de Motocicletas. Luzia foi e é pioneiro de uma era, foi um daqueles que com determinação buscou concretizar seu amor pelo esporte e em sua carenagem alavancou o nome da cidade de Araraquara para o cenário nacional. Mais que isso, passou a vida inteira fazendo a mesma coisa, a que mais gosta, sem titubear, sem pestanejar e nem renunciar seu amor às duas rodas e foi fazendo isso cada dia melhor.

Conhecimento

Acho que entendo o Luzia e quem já participou de uma competição sabe do que estou falando. O que é sentir no rosto o vento mais rápido que o ar que se respira, de como é prazerosa a sensação de liberdade que só a velocidade pode dar, como é emocionante o desafio da próxima curva, e também como é maravilhosa a sensação de vencer segundo-a-segundo o novo perigo que se aproxima. Você e a motocicleta, duas partes fundidas no mesmo corpo e controladas por um único coração. O fim da reta chegando e, em fração de segundos, a velocidade vencendo as placas de 200, 100 e 50 metros respectivamente e você, sem respirar, sem pensar em absolutamente mais nada, num momento único que não permite lembrar do segundo anterior e nem do que será seu amanhã, olhar fixo no ponto de frenagem, leva primeiro a mão direita flexionando levemente o freio dianteiro para, em seguida, num movimento único e orquestrado, realizar simultaneamente todos os demais comandos, movimentando o pé direito em direção ao freio traseiro, o esquerdo no cambio reduzindo com suavidade e firmemente, um olho no contagiro controlando o motor, outro na curva que vai crescendo na sua frente. Deitado, seu dorso inicia o pêndulo e seu pescoço desenhando o novo centro de gravidade necessário para que o conjunto não caia…Tudo isso entre dez ou quinze segundos e, novamente, tome acelerador no limite e nova curva e, novamente, outra sucessão de orgasmos de emoção.

A primeira

A primeira vez que conversei com o Luzia foi em Interlagos, muitos anos depois daquela manhã que eu, todo sem jeito, disfarçando, estacionei minha Caloi Fiorentina 1964 na porta da sorveteria Spumell e maravilhado acompanhei a regulagem de sua DUCATI. Eu, o mais jovem e último piloto do Moto Clube de Araraquara. E ele, um campeão, sempre com Araraquara no peito, representando uma tradicional equipe de São Paulo.

Sem qualquer apresentação interagimos na mesma hora e caminhamos por um período da nossa vida no mesmo asfalto.

Nesse quilômetro da vida ele corria na categoria força livre com uma HONDA 750, equipada com kits Yushimura 840 cc e andava que dava medo. Tinha uma tocada possessiva, muito técnica, virava derrapando, usava e abusava do seu talento. Escreveu um currículum vencedor no seleto time dos melhores pilotos deste País, brilhando nos Campeonatos Paulista e Brasileiro ganhando corridas, campeonatos e copas, sempre com exagerada modéstia, como se praticasse um ato absolutamente comum para simples mortais.

Algo mais

Eduardo Luzia, além de extraordinário piloto é profundo conhecedor de Mecânica, um Manager, com estágios e cursos no Japão, na França e nos EUA. Tem, também, outras inegáveis qualidades de bonachão, generoso e companheiro a ponto de, numa corrida realizada em Curitiba no final dos anos 60, ao ver um dos competidores com o qual disputava posição se estatelar no chão, sem pestanejar, interrompeu sua prova e foi ao seu socorro. Pôs fim a um grande resultado, mas, ganhou o respeito dos demais competidores.

Papo bom…

Até hoje, sempre que possível, falamos de coisas novas, coisas velhas mas sempre das mesmas coisas, das mesmas emoções e de uma saudade de momentos e pessoas que já passaram e ao mesmo tempo estão tão latentes que nossos olhos, não raras vezes, se lubrificam de algumas lágrimas caprichosas ainda presentes no outono da nossa vida.

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