Vitor Di Francisco Filho (*)
Receita Federal quer implantar instância única para os recursos administrativos dos contribuintes
O Decreto nº 70.235 de 06.03.72, por trinta anos vem regendo eficazmente os processos administrativos tributários no âmbito federal, e passa necessariamente pela história dos Conselhos de Contribuintes que há setenta anos vêm desenvolvendo uma trajetória ímpar na consecução da sua missão julgadora.
Quanto ao Decreto nº 70.235, recebido pela Constituição Federal de 1988 com a estatura de lei ordinária em virtude das circunstâncias especialíssimas do processo legislativo sob o qual ele foi baixado, conservou a sua identidade original a despeito das alterações por que passou. Com razão, estas, além de terem sido em número relativamente pequeno, não chegaram a desfigurar aquele diploma original que desde logo se mostrou tão eficiente graças às suas qualidades, fazendo do lançamento tributário e da respectiva impugnação sob seus aspectos fáticos a serem provados e pela norma jurídica a ser aplicada, o objeto real das discussões e quase sempre a única preocupação de todos os envolvidos.
O resultado é a constante busca da verdade material e a melhor distribuição da justiça, quase sempre atingida.
A este propósito, é bom consignar a extraordinária importância desse resultado ao se lembrar que o processo administrativo presta-se à confirmação e a formação definitiva do crédito tributário, ou para a declaração da sua inexistência, a teor do art. 142 do CTN- Código Tributário Nacional.
Saliente-se que ele se aperfeiçoa como ato administrativo completo mediante a intimação do sujeito passivo, a impugnação deste suspende a respectiva exigibilidade (CTN, art. 151, inciso III), e apenas se vier ele a ser confirmado na decisão final no processo administrativo assim instaurado pode ser considerado como “constituição definitiva”, nos termos em que se exprime o art. 174 do CTN e nos quais o Supremo Tribunal Federal dirimiu a questão da prescrição intercorrente após o lançamento.
Outra modificação ocorreu através da Lei nº 9.639/98, em seu art. 10, que determinava o depósito prévio de 30% como condição para interposição do recurso administrativo, posteriormente transformado em arrolamento, para que o feito administrativo pudesse ser julgado pelo Conselho de Contribuintes.
Diversas decisões do judiciário são no sentido que mesmo o arrolamento de bens no montante de 30% do débito questionado, confronta com o art. 151, inciso III do CTN, eis que essa norma tem natureza de lei complementar, e não poderia ser alterada por lei ordinária, ou seja, o princípio da hierarquia das leis.
Por oportuno, ressaltamos que na composição do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (2ª instância administrativa), tem assento além dos representantes do fisco, também os representantes dos contribuintes, através de suas entidades de classes.
Ultimamente, os contribuintes tiveram diversos pleitos tributários a seu favor, justamente por ser uma composição paritária, diferentemente, pois, da Delegacia de Julgamento (1ª instância administrativa), onde invariavelmente a possibilidade do contribuinte obter qualquer sucesso, é praticamente zero.
Pois bem, inserido no “mini pacote tributário” do final do ano de 2004, através da Medida Provisória nº 232, art. 10, houve alteração no procedimento do processo administrativo (Decreto nº 70.235/72), onde a Receita Federal pretende quase que acabar com esse procedimento, querendo instituir a “instância única”, para os processos de exigência de crédito tributário de valor inferior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Na prática, sabemos que em torno de 90% dos processos administrativos dos contribuintes estão envolvidos neste montante, e como já exposto, suas chances de êxito sem o crivo do contraditório, já que será submetido a julgamento praticamente sumário, feito pela autoridade administrativa, é praticamente zero, resultando na imediata execução fiscal judicial.
Estamos diante de mais um retrocesso fiscal, devendo os contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, mais uma vez, se valerem do Poder Judiciário, contra essa medida totalmente inconstitucional, com suporte na cláusula pétrea inserida na Carta Política/88, garantir a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, inciso LV).
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