Benedito Gonçalves da Cunha (*)
Muito se tem discutido a respeito do número de vereadores das Câmaras Municipais. Muitas Câmaras já tiveram – por força de decisões judiciais, geralmente em decorrência de ações cíveis públicas movidas pelo Ministério Público – seu número de edis reduzido. E algumas estão na iminência de tê-los brevemente e outras irão, na certa, mais cedo, ou mais tarde, enfrentar a intrincada questão judicialmente
Em razão disto e da apaixonante questão, resolvemos – na tentativa de poder fornecer alguns subsídios aos nobres vereadores, que estão na iminência de perder seus cargos e talvez aos que já perderam, se ainda não definitivamente, pois, neste caso, poderá haver algum remédio – estudar a questão para, a final, apresentar nosso entendimento, que, se, de uma forma ou outra, puder ser útil aos nobres edis, muito nos gratificará e, se isso acontecer, nosso trabalho não terá sido em vão.
A Constituição Federal, em seu art. 29, estabelece que: “O Município reger-se-á por lei orgânica atendidos os seguintes preceitos: 1) número de vereadores proporcional à população, observados os seguintes limites: a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios até um milhão de habitantes (…).
Vamos falar, exclusivamente, dos municípios que podem ter entre 9 a 21 vereadores.
Embora a Carta Magna tenha estabelecido o número mínimo e o máximo de vereadores, que o município – dada sua autonomia e competência, para legislar sobre interesse local – pode, livremente, estabelecer, através de sua Lei Orgânica (Constituição Municipal); levando-se em conta sua população e desde que o subsídio do vereador não ultrapasse o teto máximo de 75% daquele estabelecido, em espécie, para o Deputado Estadual e a despesa com os subsídios dos vereadores não ultrapasse o percentual de 5% da receita do Município ou seja, apesar de o Município ter, por força de disposição constitucional, autonomia (financeira, administrativa e política), para dispor, livremente, sobre o número de vereadores (dever discricionário, encargo de satisfazer o interesse coletivo), – o Ministério Público vem obtendo ganho de causa, reduzindo o número de vereadores de muitos Municípios, sob a alegação de que os Municípios com população inferior a 1.000.000 de habitantes, só poderão ter mais de nove (09) vereadores, à razão de um (1) vereador para cada 83.333 habitantes, ou seja, um Município só poderá ter 10 vereadores, quando sua população for superior a 83.333 habitantes, onde 83.333 representa 1/12 de 1.000.000 (21 menos 9 igual a 12 e 1/12 de 1.000.000 é igual a 83.333), mas, como o número de vereadores não deve ser par, então o Município que tiver mais de 83.333 habitantes poderá ter onze (11) vereadores e assim sucessivamente, a cada grupo de 83.333 habitantes, extraído da proporcionalidade estabelecida matematicamente (que acreditamos, não tenha sido fruto dos operadores do direito), do seio da proporcionalidade estabelecida pela Constituição Federal. O que entendemos ser uma heresia jurídica. E que, desse modo, o Poder Legislativo que, quando do estabelecimento de seu número de vereadores (edição da Lei Orgânica), não obedeceu a referida proporcionalidade, está causando (dado o excesso de vereadores) prejuízos ao patrimônio público (e, via de conseqüência, aos interesses difusos). Daí a legitimidade, alegada pelo Ministério Público, para propor ação cível pública, para redução do número de vereadores. Há ainda uma facção que elegeu aleatoriamente o número 10.000 e estabeleceu a seguinte proporcionalidade, ou melhor dizendo, desproporcionalidade: Municípios com até 10.000 habitantes, 9 (nove) vereadores; de 10.001 a 20.000, 11; de 20.001 a 40.000, 13; de 40.001 a 80.000, 15; de 80.001 a 200.000, 17; de 200.001 a 500.000, 19 e de 500.001 a 1.000.000, 21. Sem falar em outras teorias, que dizem existir, mas que desconhecemos.
Mas a tese sustentada pelo Ministério Público, embora com certa lógica e brilhantismo, sucumbe, “data venia”, diante de uma análise mais aprofundada e até mesmo frente aos singelos argumentos:
Por primeiro – entendemos, até que nos convençam, juridicamente, do contrário, que a tese sustentada pelo Ministério Público, de redução do número de vereadores, é fruto de uma interpretação literal da norma do mc. IV, do art. 29, da Constituição Federal, o que não lhe dá sustentação jurídica. Além do mais, a interpretação, ainda que literal, deveria levar em consideração o todo, ou seja, não só o mandamento do inciso IV, do art. 29, da Constituição Federal, mas do todo, isto é, de todos os mandamentos da referida norma Constitucional. Ora, se, conforme se vê do referido artigo 29, os gastos com os subsídios dos senhores vereadores não ultrapassarem 5% da receita do Município e se os subsídios dos vereadores não ultrapassarem, no máximo, 75% dos recebidos pelos Deputados Estaduais, entendemos que o Município – dentro do limite mínimo de 9 e máximo de 21 vereadores, estabelecido pela Constituição Federal – tem ampla liberdade, dada sua autonomia [financeira, administrativa e política (legislativa)], para estabelecer o número de vereadores que julgar conveniente para defesa de seus interesses locais. Daí a fragilidade da tese defendida pelo Ministério Público, ou seja, uma norma contrariando um princípio.
2 – Por segundo – se a tese defendida pelo Ministério Público, sucumbe diante de uma interpretação literal do referido artigo 29 da Constituição Federal, que dirá frente às normas do mc. 1, do art. 30 e do “caput” do art. 1~, todas da Constituição Federal, que, em suma, dispõem, respectivamente, que compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local e que o Município integra a Federação, na qualidade de ente autônomo [dada sua autonomia administrativa, financeira e política – que lhe fora outorgada pela Constituição Federal, para estabelecer sua própria Lei Orgânica (Constituição Municipal)]. Além do mais, se todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes no caso presente, os vereadores, como então, sem ferir a autonomia do Município, sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local e o direito de representatividade, dar sustentação à tese defendida pelo Ministério Público, de redução do número de vereadores, sob a alegação de dano patrimonial, causado ao patrimônio público, vez que não se trata de ação voltada à defesa de interesses difusos, relacionados com o meio ambiente, ou ao patrimônio natural e cultural e nem de interesses difusos, relacionados com o código de proteção do consumidor e, ainda, que houvesse interesses difusos, relacionados com atos lesivos ao erário público, a titularidade, neste caso, seria do cidadão, através de ação popular e não de ação civil pública.
3 – Além do mais, a redução do número de vereadores, não implica, necessariamente, em redução dos gastos com subsídios dos senhores vereadores. Reduzido o número de vereadores, nada impede que o Poder Legislativo, respeitados os limites legais, retro expostos, eleve os subsídios dos edis, ficando do mesmo tamanho os gastos com os subsídios dos vereadores. Portanto, e, no nosso entender, falsa a alegação do Ministério Público de que o número elevado de edis causa prejuízo ao erário público. Daí por que entendermos, também, ser falso o argumento do Ministério Público de que está atuando em nome da defesa do patrimônio público, relacionado com interesses difusos, ou coletivos, notadamente porque, ao contrário do alegado, com a diminuição do número de vereadores, o patrimônio público não está sendo protegido de maneira alguma, bem como, também, não estão sendo protegidos os interesses difusos ou coletivos relacionados com o erário público; mas, sim, violados, porque, quanto maior for o número de vereadores, maior será a representatividade dos vários segmentos da sociedade moderna. Daí, ruírem as velhas teses de que o número mínimo de vereadores fortalece a representatividade. A redução do número de vereadores implica, sim, em diminuir a representatividade. Além de ser, para os atuais vereadores, uma afronta a seus direitos adquiridos, vez que foram legitimamente eleitos, diplomados e empossados, não sendo dado, no nosso entender, ao Judiciário, sob pena de ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes, reduzir o número de vereadores e, quanto aos atuais vereadores (eleitos, diplomados e empossados), sem que a Justiça Eleitoral integre a lide. Caso em que, falece, então, competência à Justiça comum de primeira instância para apreciar e julgar o pedido de redução do número de vereadores, o qual só poderá ser, no nosso entender, questionado em ação direta de inconstitucionalidade, que, na certa, será improvida.
Ilegitimidade de Parte – afora o exposto, há ainda mais uma agravante, pois ante o disposto nas normas constitucionais do mc. LXXIII, do art. 50 (que dispõe sobre a ação popular) e do art. 129 (que dispõe sobre as funções do Ministério Público) e do disposto nas Leis:
4.717/65 (que regulamenta a ação popular) e 7.347/85 (que disciplina a ação civil pública) 1) o Ministério Público é parte ilegítima para propor ação civil pública objetivando a redução do número de vereadores, ainda que operário público, vez que a ação apropriada para anular ato lesivo ao erário público, não constante da lei civil pública, é a ação popular, cuja titularidade pertence ao cidadão e não ao Ministério Público, enquanto Instituição. Sendo a titularidade do Ministério Público, para propor ação civil pública, limitada, no nosso entender, à defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, não relacionados com o erário público, ou seja, à defesa de danos patrimoniais e sociais, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (lei n. 7.347/85) e a interesses difusos, ou coletivo, relacionados com o Código de Defesa ao Consumidor (lei n. 8.078/90), cuja lei (CDC), no nosso entender, não é aplicável à alegada redução do número de vereadores, vez que, dita redução, não visa proteger interesses transinviduais, relacionados com o Código do Consumidor, pelo que ao Ministério Público não é dado arvorar-se em defensor do erário público.
Entendimento – Dessurne-se de todo o exposto:
1 – que a redução do número de vereadores, estabelecido legitimamente, pelo
Poder Legislativo Municipal, dentro dos parâmetros constitucionais, é uma afronta ao princípio da autonomia do Município para legislar sobre assuntos de interesse local; razão pela qual a pretensa redução é, no nosso entender, por quebra do princípio federativo, induvidosamente inconstitucional;
2 – que ao Poder Judiciário não é dado, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da separação e harmonia entre os Poderes, reduzir número de vereadores do Poder Legislativo.
3 – que a redução do número de vereadores não protege o patrimônio público; não sendo sequer passível de ação popular. É, sim, uma afronta ao princípio democrático da representatividade;
4 – que o Ministério Público é, ante o retro exposto, parte ilegítima para figurar no polo ativo de qualquer relação processual, que tenha por objeto a defesa do erário público, vez que esta é, por força de disposição constitucional, objeto de ação popular, cuja titularidade pertence ao cidadão. O objetivo da ação civil pública é a defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos e de atos de improbidade administrativa, estabelecidos pela Lei nº 8.429/92, cuja lei não é aplicável na redução de número de vereadores, vez a questão não está relacionada com ato de improbidade Administrativa.
É, sob censura, nosso entendimento.
(*) Pertence a Maciel Neto Advocacia S/C