Rosa Godoy (*)
Respondo sua carta, ou o que entendi dela pois, na minha idade, a primeira limitação é não enxergar letra miúda, ainda mais escrita em preto sobre o papel vermelho. Isso demonstra a primeira diferença entre nossa maneira de ver o mundo: para mim, as coisas precisam estar claras, grandes, visíveis para eu poder lidar com elas, não sendo assim, fica difícil; para você, sou capaz de ler preto sobre vermelho escuro.
Em todo caso, vamos lá: a sua grande luta é por justiça social, por igualdade. Em primeiro lugar, não acho que devemos pensar em igualdade mas sim em eqüidade. Qual a diferença? Na igualdade, todos ficam rasos, com tratamento igual, embora as necessidades possam ser diferentes. Por este conceito, se temos um pão para dividir para quatro pessoas, todos têm direito a 1/4 do pão. Isso é ser eticamente correto? À primeira vista, pode ser que sim, porém se olharmos um pouco mais fundo, não. Dentre essas quatro pessoas, o direito a um pedaço de pão pode ser o mesmo, porém há que se considerar a necessidade dele, que é peculiar de cada um. Por exemplo, se tiver entre os quatro uma pessoa grávida, é justo que ela receba um pedaço maior de pão, não lhe parece? Se uma delas for criança, pode ser que achemos que se satisfaça com um pedaço menor, porém, como as crianças precisam ser protegidas e estão em fase de crescimento, pode ser que esse pedaço menor de pão tenha que ser maior. Assim, o que se conclui é que para necessidades diferentes, devemos ter recursos diferentes. Para atendê-las, é preciso estabelecer critérios de diferença, para não sermos injustos, em nome da própria justiça. Isso é eqüidade: cada um tem o que necessita, dentro de parâmetros estabelecidos, tendo em conta os recursos disponíveis que, aliás, diga-se de passagem, são sempre insuficientes.
Outro ponto: Você que se diz ético, bom, sensível, sábio (e eu acho que é tudo isso, como muitos de nós). Porém, no fundo, esconde a grande prepotência de ter controle sobre toda a sua vida (o que é um grande engano, pois ninguém consegue tal façanha), no entanto, briga pelas coisas necessárias ao aperfeiçoamento da vida, como toda e qualquer pessoa que tem aspirações materiais. Você não é diferente das demais pessoas. Sabedoria é coisa que adquirimos com a vida, com o enfrentamento, e quanto mais sábios somos, mais deixamos de nos preocupar com a sabedoria. Os verdadeiros sábios são extremamente simples, desapegados da prepotência de controlar a vida e nunca se julgam superiores aos demais. Declaram-se, sim, eternos aprendizes, pois acham que sempre estão aprendendo. Sabem que jamais terão o conhecimento total a respeito de qualquer coisa. Basta observar um verdadeiro sábio vivendo – em geral, ele se encanta com as coisas simples da vida.
Nesse contexto, precisamos analisar a questão das drogas (ilícitas como a maconha e lícitas como o cigarro). A sua prepotência de achar que tem controle sobre tudo pode levá-lo a um abismo do qual talvez não consiga sair tão cedo nem tão fácil. As conseqüências deletérias do cigarro são evidentes. Quanto à maconha, além de ser uma armadilha fácil, porque é a porta de entrada para as demais drogas, pode levar a efeitos muito problemáticos tanto físicos como comportamentais, muito embora vocês jovens não admitam isso. Hoje em dia, sabe-se que os efeitos sobre o cérebro são freqüentes, inclusive com a diminuição do poder de crítica e atitude de sentir-se superior a tudo. Há também uma séria questão social envolvida e peço-lhe que use todo o seu senso ético para compreender o que vou lhe dizer, pois é muito sério. Cada cigarro de maconha que é aceso no mundo, inclusive por você, ajuda a perpetuar narcotráfico, exploração, prostituição, crime organizado etc. O narcotráfico porque está nas mãos dos grandes poderosos o controle do plantio, do preparo e da comercialização das drogas. Exploração porque eles usam crianças e jovens para passá-las, inclusive porque assim fica mais fácil perpetuar a impunidade. Quando as crianças não servem mais para serem aviõezinhos porque estão “manjadas”, ou caem nas mãos da polícia (que também as explora), é mais fácil acabar com elas. O crime organizado porque por atrás de um traficante sempre tem assalto, estupro, exploração de mulher, prostituição etc. Você diz que quando fuma não compra mas alguém comprou, não importa quem. Já havia pensado nisso tudo? Como fica a sua ética, a sua bondade, a sua sabedoria diante disso? No fundo, você não estaria colaborando para tudo isso? Contraditório, não? Fale disso com os seus amigos e provavelmente eles vão dizer que estou exagerando. Porém, eu lhe digo: é só abrir um jornal ou um livro sério em relação às drogas para ver que essa questão requer uma análise sociológica acurada, pois os efeitos das drogas, tanto para as pessoas como para a sociedade, não são inócuos. Você já estudou o suficiente para entender isso. É preciso passar da teoria à prática, fazer uma incursão firme no enfrentamento disso, pois depende de cada um de nós a mudança destas condições. Chega de submetermo-nos aos poderosos que nada querem de bem para a humanidade.
Termino aqui. Rogo a Deus para que nos entendamos um dia. Agradeço-lhe a honestidade e espero continuar digna dela. Um abraço – com açúcar e com afeto.
(*) É Enfermeira e colaboradora do JA.