Rosa Godoy (*)
Apesar dos quase oitenta anos, Zoraide mantém-se tão jovem como aos trinta. A cara de maracujá de gaveta contrasta com o espírito aguçado, bem humorado, que surpreende pelos comentários inusitados e sempre bem cabidos, dignos de alguém para quem posicionar-se diante dos fatos faz parte do cotidiano, do vai-da-valsa da vida.
É o xodó da família, em especial das sobrinhas que, a despeito de letradas, não chegam a seus pés quando se trata de filosofar sobre a existência. Sempre há algo a contar, em se tratando da tia Zô. No círculo familiar e dos amigos, seus comentários constituem uma verdadeira coletânea de sabedoria empírica, digna de ser divulgada. Suas tiradas surpreendem, tanto pelo ineditismo quanto pela originalidade.
Quando a sobrinha mais velha ficou viúva, aos 43 anos, a consternação não a impediu de comentar: “Coitadinha! Ainda bem que ele morreu mas deixou um seguro bom. Já pensou se além de morrer ainda deixasse dívida? Ficou melhor que a Nezinha que o marido nem morreu, só divorciou…”
Outra vez, conversando com a empregada acerca de Jesus Cristo, expressou muito bem o pensamento baseado em evidências. Ouvia atentamente, pela enésima vez, a explanação da garota que tentava por todos os meios ganhá-la para as fileiras evangélicas, num processo de convencimento baseado em chavões pouco reflexivos, muito comuns hoje em dia.
“A senhora tem que acreditar, no fim dos tempos Jesus virá para nos salvar. Ele é a grande verdade, morreu por isso com apenas 33 anos de idade. Ele vai voltar prá salvar o mundo. Vai voltar e nós temos que estar preparados, blá, blá blá…”.
Após pensar um tempo, tia Zô franze o cenho e acaricia o queixo. Com ares de experiente, contesta:
“Ah, minha filha, se eu fosse ele, não voltava não. Se naquele tempo, mataram ele com 33 anos, se voltar agora não vive nem um tiquinho, quanto mais tudo isso. Assim que abrir a boca prá falar que é filho de Deus, que vai salvar o mundo e todas essas coisas, matam o homem e ainda vão sair por aí falando que ele é louco… Se eu fosse ele, não voltava não, não voltava não…”
O último comentário ecoou já na cozinha. Maria do Carmo ia chegar do trabalho. Tinha que fazer a janta…
(*) É enfermeira e colaboradora do JA