Andréa, a mulher que sabe compartilhar; amplia a família para cobrí-la com muito amor; a profissional que acumula saberes para instigar seus alunos à pesquisa, a busca pelo conhecimento; a companheira-militante que está junto sem ficar (na) ou fazer sombra. Andréa, uma guerreira que transforma com armas técnico-científicas filtradas num coração generoso e solidário. Suas respostas espelham a mulher que avança, com ternura. É interessante ler sua maneira de pensar e sentir, próprias de uma especialista em reflexão social.
1. Qual o maior acontecimento de sua vida?
Em minha vida não existiu até agora “o maior acontecimento”. Eu me considero privilegiada por tentar encontrar um sentido para os momentos vividos – sejam eles bons ou não tão bons assim – tendo em perspectiva minha trajetória. Considero meu encontro com o Edinho um grande acontecimento, assim como o nascimento dos meus filhos Isabela e João, e presença deles e do Pedro em minha vida. Outro grande acontecimento em minha vida é meu trabalho que tem, ao mesmo tempo, me exigido muito, e me dado muita satisfação. A militância também foi um acontecimento marcante.
2. Qual o episódio que mais te chateou?
Não ter correspondido positivamente a uma expectativa criada por uma imagem social e historicamente construída de “par no poder”. A experiência de transgredir a norma, de me contrapor à naturalização e à extensão do papel de esposa que rompe os limites do privado e invade a cena pública, não foi nada agradável. A lembrança é amarga porque houve – e ainda há – muita incompreensão, muita maledicência, mas o importante é que sobrevivi!
3. É errando que se aprende. É verdadeiro para você?
Sim, é. Contudo, se a gente puder aprender com as experiências dos outros, tanto melhor. Sofreremos menos. A “moral da história” acrescentada aos contos de fadas tem essa função.
4. O que é ser vértebra no seu meio social?
Eu não sou vértebra!
5. O segundo casamento é a salvação da pessoa ou atestado de burrice?
Para mim, nem uma coisa nem outra. Como eu já disse, tem sido um grande encontro.
6. O casamento deve ser reinventado?
Penso que a nossa geração tem caminhado nesse sentido…
7. A sua felicidade depende da dos filhos e marido?
Sinceramente, depende. A gente não é completamente feliz sabendo que o outro, seja ele filho, filha, marido não está bem. Por outro lado, é preciso também reconhecer que a gente não resolve os dramas dos outros, e por isso não devemos tomá-los como se fossem nossos. Estar presente na vida deles, saber ouvir, compartilhar, já ajuda bastante!
8. Até onde o marido pode influenciar seu poder de decidir?
Até onde eu quiser. A opinião do meu companheiro é muito importante, e eu a ouço quando tenho que tomar uma decisão. Contudo, não posso responsabilizá-lo por ela.
9. Você conseguiria gostar de dois homens ao mesmo tempo?
Eu consigo amar, pelo menos cinco, ao mesmo tempo e de maneiras diferentes: Edinho, João, Pedro, meu pai Euclydes, e meu sogro Antonio.
10. A felicidade deve ser hoje ou no futuro?
De preferência hoje e no futuro.
11. Obesidade é um pecado?
Eu penso que não. Engordei 10 quilos em um ano, depois que decidi e parei de fumar. O problema é que a fome feminina é vista socialmente como algo que precisa ser controlado, porque é considerada vergonhosa, ilícita. Isso causa um certo constrangimento… Mas não dá para entrar na neurose do ideal estético contemporâneo para as mulheres, essa torturante obsessão pelo trabalho de transformação do corpo como um objeto. Isso tem conseqüências perversas, como as doenças das mulheres na virada do século: anorexia, agorafobia e bulimia.
12. Interessa a quantidade ou a qualidade?
Ambos.
13. Você prefere traje esporte ou social?
Depende da ocasião.
14. Qual é o seu point?
Minha casa. Adoramos poder ficar em casa e receber amigos.
15. O que é ser mulher moderna?
É buscar a realização afetiva, profissional, espiritual, e política, relativamente as diferentes dimensões mencionadas, numa sociedade cujos pilares são o individualismo, o princípio de mercado e a racionalidade técnico-científica. E isso tudo sem se tornar uma esquizofrênica!
16. A mulher deve ter jornada dupla?
Por que dupla? A jornada da maioria das mulheres é tripla. O que eu acho é que já passou da hora de os homens dividirem mais eqüitativamente o trabalho no espaço doméstico, e aprenderem a sentir prazer em paternar seus filhos e filhas.
17. Como você se vê diante da mídia?
Parafraseando o jornalista Edmilson Luchesi, assessor de imprensa da USP/São Carlos, que esteve durante esta semana numa mesa-redonda promovida pela Coordenação do Curso de Jornalismo da UNIARA, a relação é um pouco tensa porque o(a) docente/pesquisador(a) acha que é Deus e o jornalista tem certeza que ele é que é!
18. A união de pessoas do mesmo sexo. Você considera normal?
Considero um direito. O que é normal?
19. Você aprecia a leitura, lembra-se do último livro?
Sou pesquisadora e docente. Deste modo, a leitura faz parte do meu trabalho, da minha vida. Últimos livros: Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade de Boaventura de Souza Santos; O homem que morreu três vezes: uma reportagem sobre o “Chacal brasileiro”, de Fernando Molica, e estimulada pela minissérie Um só Coração, da Globo, (assisto sempre que posso), comecei a ler Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand, de Fernando Morais.
20. A renda do brasileiro diminuiu. O desemprego aumentou. O que está faltando?
O aumento do desemprego é um fenômeno mundial. Sua especificidade está relacionada ao ritmo de crescimento da economia do país, que por sua vez, é determinado pela estratégia de integração à economia mundial, que no caso brasileiro tem sido passiva e subordinada à lógica financista da economia. O que não podemos perder de vista é que houve uma transformação político-econômica engendrada pela incapacidade do fordismo/keynesianismo de conter as contradições inerentes do capitalismo. (No Brasil, isso significou a crise do Estado desenvolvimentista). Confrontando-se com a rigidez do fordismo, o novo regime de acumulação forjado se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo, e se caracteriza por altas taxas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. Ao definir os padrões de excelência, produtividade e organização para as (novas) empresas, as políticas econômicas modernizantes desorganizam a sociedade, e impõem à classe-que-vive-do-trabalho condições de vida e trabalho tão precárias quanto as condições dos primórdios da Revolução Industrial.
O que está faltando? Penso que está faltando POLÍTICA! A teoria política liberal, da qual somos eternos herdeiros, restringe a noção de cidadania ao transformar a política numa dimensão setorial e especializada da prática social. Todas as outras dimensões foram despolitizadas e se tornaram imunes ao exercício da cidadania. É preciso, portanto, (re)politizar o espaço da produção/trabalho, e da reprodução (doméstico), e o espaço mundial, porque neles também se configuram relações de poder, e revelar quais tem sido as novas formas de dominação e opressão, criando assim novas oportunidades para o exercício da cidadania do trabalhador-cidadão e do cidadão-trabalhador.