João Baptista Galhardo (*)
O discurso empolado, bem como toda forma pomposa de se escrever, de difícil leitura e entendimento até mesmo para os ilustrados, está cada vez mais cedendo espaço para a simplicidade. Não é fácil ser simples. Exige um treinamento diário. E não é só a singeleza que deve ser perseguida, mas também o aprimoramento da capacidade de síntese, como arte do belo, pois o resumo, quando não agrada por sua forma, substância ou estilo, tem a grande virtude de não saturar. Há quem critique a linguagem forense ou jurídica, porem é a que mais se aproxima do cidadão comum. Mesmo com o “juridiquês”: “írrito”, “fulcro”, decidiu-se na “esteira” do que dispõe o artigo….. “colenda”, “dar cobro”, “exordial” e os “Excelsos Sodalícios”, qualquer dicionário fornece o significado de cada uma. Existem outras Ciências com palavreado mais prolixo, como a Medicina, por exemplo. Verifique-se, por curiosidade, as causas de morte consignadas num atestado de óbito: “choque séptico”, “metástase pulmonar”, “neoplasia cerebral”, etc.. e a famosa “falência múltipla dos órgãos”. Se pudesse, o falecido reclamaria: – “além de morto, falido”! E os termos técnicos da Economia que ouvimos e lemos diariamente, em grande parte siglas, sem a menor compreensão para o homem comum do povo: “tranche” (divisão de um título em séries de pagamento), “trade” (operação no mercado), “superávit primário”, “TRD” (taxa referencial diária) “traveler’s chek” (cheque de viagem), “TDA” (título da dívida agrária), “taxa interna de retorno”, “pulverizar risco”, “PU” (preço unitário), etc… Mesmo no convívio social encontramos pessoas que usam uma linguagem um tanto quanto floreada, simplesmente por hábito. Não por ostentação. Certa vez liguei para um amigo: – vamos ao baile de carnaval e ele respondeu: -sensibiliza-me seu convite, mas minha consorte não aprecia os folguedos momísticos. Bastaria dizer: – obrigado, minha mulher não gosta de carnaval. Em outra oportunidade assistindo o casamento de um amigo viúvo: – se um dia tornar-me cônjuge supérstite, não convolarei novas núpcias. Tradução: se eu ficar viúvo, não caso de novo. Dizem que sua mulher quase o abandonou na lua de mel, quando lhe falou com sofreguidão: – desnude-se. Vou oscular-te da cabeça aos pés. Ela não entendendo que sua intenção era beijar-lhe o corpo todo, retrucou: – vem, vem… que eu lhe dou uma sapatada na testa e o casamento acaba aqui mesmo. No antigo prédio do Fórum da cidade, os funcionários dos cartórios faziam gozação com o faxineiro: “Antonio, é verdade que quando está limpando o gabinete do Juiz, você pede para dar uma pegadinha na enciclopédia dele. E ele bravo respondia: – eu não sou veado. No mesmo prédio um Juiz ouvia uma testemunha de crime de sedução. Era uma mulher negra, gorda, de cabelos grisalhos, pessoa simples: – a senhora quando entrou no barracão viu se eles estavam copulando. “Olha Doutor, se faziam isso que o senhor está falando não posso dizer. Só sei que estavam numa posição de dar gosto”. A verdade é que hoje o palavrório sofisticado está desaparecendo. Não sei como os comandados de um determinado País ouvem em pé, um discurso de seis ou sete horas, do Chefe do Governo. No mínimo deve haver a promessa de sorteio de um Chevrolet 1949 no final da fala. Até mesmo o grande brasileiro Rui Barbosa, a quem atribuem a culpa da sofisticação do vocabulário jurídico, não teria hoje platéia permanente para o seus longos, prolixos e rebuscados discursos. Contam, com humor, uma lenda a seu respeito. Chegando em sua casa térrea no Rio de Janeiro, flagrou e deteve no quintal um ladrão de seus patos. Rui, de casaca, bengala e cartola, passou-lhe a maior carraspana: “Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo. Mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à qüinquagésima potência que o vulgo denomina nada”. E o ladrão, confuso, sem entender uma só palavra, com um pato embaixo de cada braço olha para Rui e diz: – Doutor ….eu levo ou deixo os patos?