João Baptista Galhardo
Dos sete pecados capitais a inveja é imbatível. É a mais antiga cicatriz da personalidade humana. É a rainha das más paixões. Elabora a mentira, a traição, a falsidade, a emboscada, a calúnia, a extorsão, a covardia, a injúria e a difamação. Dizem que a inveja mata. É verdade. Foi responsável pelo primeiro homicídio da humanidade: Caim, julgando-se preterido ou menos preferido pelo Pai, feriu de morte o irmão Abel. Na antiga Roma, Cássio mordido de inveja de César, instigou Bruto a matá-lo. Mas na realidade, a inveja consome o invejoso. Até a Bíblia adverte: “O coração tranqüilo é vida para o corpo, mas a inveja é cárie nos ossos” (Provérbios, 14:30). A inveja corrói os invejosos. Muitos filósofos definiram a inveja. Tomás de Aquino (Summa Theologie) define a inveja como uma infelicidade (tristitia) causada pelos bens dos outros. Descartes fala daqueles que sofrem com o bem que o destino reserva aos outros. Kant define a inveja como a tendência a ver com sofrimento o bem dos outros. Fico com Spinoza (Ética), quando diz que a inveja nada mais é que o ódio em si mesmo, considerando que o homem (invejoso) sente prazer pelo mal e tristeza pelo bem dos outros. O invejoso inveja o ter e o ser. Inveja até o que ele pensa que o invejado tem. Ninguém conseguiu até hoje um remédio profilático ou terapêutico para essa doença. Da obra de José Ingenieros (“O Homem Medíocre”), um ensaio moral sobre a mediocridade humana) e mais recentemente dos estudos de Francesco Alberoni (“Os Invejosos”, uma investigação sobre a inveja na sociedade contemporânea, cujo título original é “Gli Invidiosi), tiramos lições brilhantes sobre o tema. É fácil reconhecer um invejoso: geralmente lábios sem cor e olhos embaçados como os de uma ovelha abatida. Num cumprimento se denuncia: Como vai? “Não tão bem quanto a você mas vou como Deus quer”. Sintoma clássico de inveja. Ou então quando alguém diz que recebeu aumento de salário: “Deus que te ajude e não me desampare”. Fuja dele. Embora o invejoso não queira demonstrar que inveja alguém, às vezes se trai. O confisco de dinheiro do Plano Collor foi um orgasmo para os invejosos. Em todos os cantos e principalmente nas rodas sociais, as palavras mais pronunciadas eram “bem feito”, referindo-se a alguém que teve dinheiro confiscado ou bloqueado: “Sabe Fulano de tal, aquele que andava de carro último tipo? Não encontra quem dê metade do que ele vale. Sabe de Fulano C? Vai ter que tirar a sua filha da Faculdade de Medicina porque não tem mais como sustentar os seus estudos. E a mulher de fulano E, aquela que não saía de salão de beleza? Agora anda de “bobs” na cabeça”. Por mais que o invejoso evite transparecer seus reais sentimentos agressivos, ele é sempre descoberto. Até mesmo a ingratidão marca o caráter do invejoso. Ele odeia ter que reconhecer que foi ajudado por alguém. E a causa é a inveja. Na idade média quando reconhecidos ou descobertos, os invejosos eram evitados, principalmente como companhia para refeições. Quando alguém sentia a saúde abalada e procurava por um médico, este antes de perguntar “o que comeu” indagava do paciente “com quem comeu”, sabendo o estrago que o invejoso (sempre chato e pessimista) causa aos que lhe acompanham numa mesa. Observa Ingenieros que a inveja é a adoração que a sombra sente pelo homem. Rubor da face pela glória alheia. Consagração inequívoca do mérito dos outros. Paixão traidora que a hipocrisia cultiva. O invejoso pertence a uma espécie moral raquítica, mesquinha, digna de compaixão ou de desprezo. Sem coragem para ser assassino, conforma-se em ser vil, rebaixando os outros por não acreditar na própria elevação. O invejoso, geralmente é sério e solene. Sério pela incapacidade de rir. A alegria dos otimistas o atormenta. E solene porque é hipócrita. Possui mil línguas e por todas elas destila a sua insídia de víbora. Semeia intriga até entre seus próprios cúmplices e tendo oportunidade atraiçoa-os. Sabe que é inferior. Não admite, mas sabe. O invejoso julga estar caminhando para o calvário, quando vê os outros escalando os píncaros. Todo píncaro é invejado. Invejar é, assim, uma forma berrante de prestar homenagem à superioridade alheia. O invejoso é incapaz de suspeitar quantos espinhos são semeados no caminho da glória de alguém. Quando se eleva um astro, o invejoso aparece por todos os pontos cardeais, para entoar o coro da sua difamação. O invejoso não reconhece o fogo dos astros, porque nunca teve, em si, uma única chispa, uma única faísca. Mas o tempo é o coveiro equânime de toda a sua maledicência. O invejoso é a única vítima do seu próprio veneno. Toda maldade vinda desse infeliz é bala que ricocheteia, sendo o atirador o seu próprio alvo. Muitos foram vítimas de inveja. Esopo, grego que viveu há quase três mil anos, era feio, pobre e analfabeto. Mas invejado por ser um sábio. Pai de todos os fabulistas. Suas fábulas eram contadas e depois de muito tempo foram por outros escritas. E dando vozes aos animais descreveu o invejoso em um de seus notáveis contos : “Um sapo ventrudo coaxava em seu pântano, quando viu um vaga-lume resplandecer no alto de uma rocha. Pensou que nenhum ser tinha o direito de revelar qualidade que ele próprio jamais poderia possuir. Mortificado pela impotência, saltou até o local onde estava o pirilampo, e o cobriu com seu ventre gelado. O inocente vaga-lume ousou perguntar-lhe: “por que me sufocas ? E o sapo congestionado pela inveja, só conseguiu interrogar : “POR QUE BRILHAS?”. Algum invejoso lhe atormenta? Delete-o. Coloque-o na lixeira. Ou…reze por ele.