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A Fadiga da Empatia: O Nome Dela é Jennifer

Marco Antonio Spinelli (*)

No início de Dezembro, nosso país se viu sacudido por uma polêmica extraordinária: quem é contra ou a favor da moça que não cedeu seu lugar na janela do avião para uma pobre criança que queria justamente aquele lugar. A moça, uma bancária chamada Jeniffer Castro, dividiu o país: seria ela uma monstra indiferente ao sofrimento infantil, ou uma paladina da justiça, defendendo seu direito doa a quem doer? Se você não ouviu falar dessa história, então provavelmente está num mosteiro do Tibet sem wi-fi. O resto já ouviu falar, e já tomou posição. Mas, caso você viva num lugar sem internet, vamos te colocar a par do assunto. Aviso aos leitores que serão expostos a cenas fortes, da incrível polêmica.

No começo de Dezembro de 2024, uma família entra em um avião da Gol. A mãe acomoda os filhos, o mais velho cadeirante. O seu filho menor, de quatro anos, sentou atrás, perto da avó. Foi quando Jennifer Castro chegou e pediu para sentar no assento que reservara, na janelinha. Lugar ocupado pela criança. O passageiro da fileira anterior se ofereceu para trocar de lugar com Jeniffer, se o problema fosse a janelinha. A moça recusou, implacável. O menino foi sentar com a mãe em outro lugar, mas não se deu por vencido. Quando foi dado o comando de apertar os cintos, a criança começou a chorar e se debater. Teve início o burburinho, onde a moça começou a ser julgada no tribunal da fofoca. Uma passageira chamada Eluciana resolveu sair do seu assento e reivindicar mais uma vez a troca de lugares. Jeniffer recusou novamente. O caos se instalou: criança se esgoelando, passageiros incomodados, Eluciana vaticinando que aquela era uma atitude repugnante em pleno século vinte e um (no século vinte não seria?). Você não tem compaixão? Finalmente, a situação chegou ao seu limite: Eluciana sacou a sua arma, digo, seu celular, e filmou a moça dizendo: vou deixá-la famosinha. E cumpriu a promessa: a moça ficou, realmente, famosinha. Enviou o vídeo para sua filha, que postou na sua rede social de poucos seguidores. O resto é história: o vídeo viralizou, com a fúria desses fenômenos de redes sociais. Só que a opinião pública, que estava ao lado da criança dentro do avião, virou-se na direção oposta nas redes. A fúria se voltou contra a mãe da criança, a quem foi atribuído o confronto e a filmagem.

De todas as quase tragédias, a pior vítima foi o bom jornalismo, pois vários veículos publicaram a versão, falsa, que o vídeo tinha sido feito por uma mãe enfurecida, e não por uma passageira enfurecida. A mãe da criança foi, e ainda é linchada virtualmente e Jeniffer virou uma influencer da noite para o dia, ganhando dois milhões de seguidores no Instagram. Além de gerar uma enxurrada de memes com crianças chorando pelo lugar na janelinha, exploradas por humoristas profissionais e amadores. Tem muito influencer sonhando com crianças choronas e mães enlouquecidas para turbinar seus seguidores.

A polêmica parece estarrecedora, e as reações coletivas, enlouquecidas como a internet pode produzir. A paladina do celular acusou, para milhões de seguidores: você não tem empatia! Aí, diria um estudioso da alma humana, temos um sintoma: a fadiga da empatia. Tem muita, muita gente, se saco mortamente cheio dessa empatia imposta pela nossa cultura boboca e superficial.

A intenção da cineasta e de sua filha tik toker era claramente expor e atacar a tal da moça sem empatia. O tiro saiu muito pela culatra. Minha mãe teria resolvido essa birra em alguns segundos. A mãe deixou o filho chorando sem conseguir contê-lo. E não estou, obviamente, defendendo qualquer tipo de punição física. Mas conter inclui acolher, mas também dar limites. Jeniffer lavou a alma de todo mundo que precisa aturar crianças malcriadas dando guinchos, batendo em velhinhas e gritando em lugares públicos diante do olhar catatônico e indiferente dos pais. A doença coletiva, que gerou a reação raivosa coletiva na internet, é a Infantolatria. As crianças são ídolos que não podem ser contidas, silenciadas, ou, em suma, educadas. Compaixão é educar. Compaixão é dizer não. Dizia uma música antiga de Renato Russo: “Disciplina é Liberdade. Compaixão é Fortaleza”.

Pois é. Veja bem: Disciplina é Liberdade.
Vivemos em um mundo em que uma moça, pelo simples fato de dizer e sustentar um Não vira uma sub celebridade. Outra música de Renato Russo dizia: “Nos deram espelhos, e vimos um mundo doente”. Nosso mundo doente, e o espelho dessa doença, estão contidos nessa história.

(*) É médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.

(Vervi Assessoria)

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