O professor de inglês do colégio onde estudei era um pastor protestante, lá de São José do Rio Preto, chamado Rubens Cintra Damião, o qual tinha dois irmãos também pastores: Reverendo Lutero e Reverendo Paulo. Ele gostava de dar aulas de literatura inglesa e americana.
Logo na primeira aula do ano de 1949, o Professor Rubens disse prá nossa turma de 3ª série ginasial, ou 7ª série, que naquele ano estaríamos comemorando cem anos da morte do grande poeta e contista americano, Edgar Allan Poe. Sendo assim, ele nos disse que iria querer que até dia 31 de maio, que seria uma terça-feira, nós escrevêssemos, em duas a três páginas de almaço, alguns comentários sobre o poema “O Corvo” (original “The Raven”) ou sobre o conto “O Escaravelho de Ouro” (original “The Gold Bug”) em homenagem ao autor.
Nas quatro ou cinco aulas seguintes, ele nos falou sobre a vida e a obra de Poe. Quando ele nos contou a estória do escaravelho, eu fiquei curioso porque nunca havia ouvido falar tal palavra. Ao sair da aula naquele dia, corri à biblioteca da cidade e procurei na enciclopédia. Verifiquei que escaravelho era uma espécie de besouro que tinha o costume de se alimentar de cocô de animais herbívoros e que, por causa disto, ele era também conhecido pelo nome de “rola-bosta”.
Saí da biblioteca rindo de orelha a orelha e, naquela mesma noite, decidi sobre como seria meu trabalho. Meu professor, sendo pastor, detestava palavrões. Por isto mesmo é que ri, porque o professor iria ter que agüentar meus escritos irreverentes. De fato, ao redigir meu trabalho, comecei afirmando que o nome do conto, em português, deveria ter sido traduzido como “O Rola-bosta de Ouro”, porque os meninos memorizariam melhor e fui por aí adiante, comentando a sabedoria da natureza ao induzir animais a viver do que sobra dos outros… Com essa lenga-lenga, escrevi a expressão “rola-bosta” oito vezes no trabalho, o professor não teve como ficar bravo e ainda me deu nota dez e um livro de presente.
Quatro anos antes, estando no 4º ano primário, eu já havia aprontado uma arte semelhante a do Professor Rubens, só que a vítima foi a Minha Mãe.
A Igreja protestante que minha família freqüentava ficava na Rua Prudente de Morais, a 50 metros de um rio chamado Borá. Atualmente, ninguém mais vê o Rio Borá porque ele foi canalizado, correndo sobre ele a linda e moderna avenida chamada Av. Bady Bassitt.
Em meus tempos de menino, o Rio Borá era exposto e tinha todas as características de esgoto: o cheiro horrível e os “navegantes” visíveis e em profusão. Por causa disto, o povão da cidade se referia a ele como Rio bosteiro.
Quando eu aprendi tal expressão, eu a repetia a torto e a direito e Minha Mãe ficava muito brava e me repreendia severamente, dizendo que falar aquilo era pecado, coisa de menino mal educado e que, sendo um menino crente, eu deveria dizer somente Rio Borá. Esperei pela minha oportunidade…
No 4º ano primário, minha professora, Dona Francisca, deu como trabalho de casa escrever sobre um rio a escolha. Não deu outra. O título de minha composição foi “Rio Borá, o Rio Bosteiro”. Para não escandalizar a professora de cara, eu comecei afirmando que não era absurdo o povo chamar o rio de bosteiro, o que era absurdo era canalizar o cocô da cidade no rio. Até parecia que eu estava com o espírito da Ecologia ao escrever a palavra bosteiro em várias frases. A professora me deu nota dez e eu levei o trabalho prá Minha Mãe ver. Vendo que eu tirei 10, Mamãe não teve saída. Ela fingiu que não leu o monte de bosteiros que eu escrevi e me deu os parabéns enquanto eu, fazendo cara de santo, fiquei rindo por dentro…
Aí no canto esquerdo, está a foto da casa de madeira onde nasci, na beira da linha da E.F.A.. Mamãe está na frente da casa. A flecha indica um cômodo de alvenaria, destoando do restante.
Quando eu era pequeno, nossa privada era de fossa, lá no fundo do quintal. Ainda bem que era bem lá no fundo, porque o fedor…
Quando eu já estava com 12 anos, apareceu um engenheiro da Estrada de Ferro por lá, afirmando que iria mandar instalar uma bomba em nosso poço, colocar uma caixa d’água e construir uma privada patente. Até hoje, eu não sei porque se dizia “privada patente”.
Certo dia, estava lá em casa um sobrinho de meu Avô Manéco, chamado João Liberato, que morava em Catanduva, o qual estava acompanhado por um rapazinho de 15 ou 16 anos, que era afilhado dele.
Ouvi minha mãe comentar, perante eles que gostava da nova “privada patente”, mas que tinha uma desvantagem. Na privada velha, o fedor ficava longe da casa e naquela, o fedor estava ali perto, que aquela descarga de cordinha não dava conta. Eu me lembro que foi aquele rapazinho, cujo nome era Belmiro, quem ensinou prá nós o truque de acender um fósforo dentro do banheiro, após o uso, para extinguir o fedor que fica impregnando o ambiente.
Também não posso esquecer de um fato que ocorreu aqui em Araraquara em meus primeiros tempos de Médico. Um indivíduo muito conhecido na cidade foi internado por mim com queimaduras extensas. Ele me disse que chegou em casa e sentiu cheiro de gás na cozinha, que vazava do fogão, empesteando o ambiente. Naquele tempo, o gás fedia mais do que o gás que nos vendem hoje. O cara estava com o pensamento mergulhado em preocupações e isto o levou a, instintivamente, acender um fósforo como se o fedor fosse de um banheiro…
No caso do afilhado do primo João Liberato, que nos ensinou o truque do fósforo, ele nos contou algo pitoresco. Ele disse que não tinha irmãos, mas somente duas irmãs e que a mãe dele o havia escalado prá acender fósforo cada vez que o sogro dela, avô do moço, vai ao banheiro. Aí ele detalhou que, quando era prá ele, acendia apenas um palito e às vezes até nenhum, mas quando era para o avô, ele costumava acender uns quatro palitos de uma vez…