A Cultura em Diálogo

Profª Teresinha Bellote Chaman

Olá …mais uma vez bom dia, bom domingo… boa semana.

Lembre-se de que o CELP – CENTRO DE ESTUDOS DA LÍNGUA PORTUGUESA – está sempre à sua disposição. Quando tiver alguma dúvida, escreva-nos, mande o seu e-mail – celp@terra.com.br

"Nada se deve esperar dos homens que entram

na vida sem se entusiasmarem por algum ideal;

aos que nunca foram jovens, parece desvairado

todo o sonho. Não se nasce jovem; é preciso

adquirir a juventude. E, sem ideal, não é

possível adquiri-la."

(Ingenieros, José)

TEM CADA UMA NA VIDA

Jamais entenderei por que a moça me procurou para fazer um pedido: queria (quer) ser artista de novela das 7.

– Mas eu … – tentei informar. Ela não deixou concluir a frase:

– Até que não estou pedindo muito. Se pedisse para a novela das 8, iam dizer que era pretensão. Também não desejo a novela das 6. Quando a gente é modesta demais, botam pra escanteio.

– É, mas …

– Então eu acho que no meio está a virtude, como gostava de falar o vovô. Vovô era entendido em coisas mil. O senhor conheceu vovô ? Ele foi um cara importante no MEC.

– Devo ter conhecido. Qual era o nome dele ?

– Vovô Marreco. A gente chamava ele assim porque tinha uma cara gozada, cara de marreco. Uma ocasião … Bem, depois eu conto. O senhor vai me ajudar, não vai ?

Mas uma vez tentei explicar (não consegui) que não tenho nada com a televisão, apenas sou amigo do Otto Lara Resende, na Rede Globo, e não me consta que o Otto selecione artistas. Mas a moça prosseguia, vivendo o sonho, que não era sonho, era projeto amadurecido. Os pais aprovavam. Mesmo que não aprovassem, estava decidida.

– Força do destino. Minha tia-avó fugiu de casa pra trabalhar na companhia de Leopoldo Fróis. Naquele tempo não havia televisão, imagine como as opções eram limitadas. Minha mãe fez parte do caste de novelas da Rádio Nacional, deixou o brodecaste pra casar. Meu pai impôs condição. Felizmente, evoluiu, hoje até faz gosto.

– E o namorado ? – perguntei, desistindo de esclarecer que ela batera à porta errada.

– Namorado ? Então o senhor acha que vou pedir consentimento a namorado, pra trabalhar em novela ? A gente tá em 1980, pô.

– Lá isso é.

– Inclusive meus namorados são todos descartáveis. Não me amarro a nenhum, porque meu futuro não tá nos homens. Tá na arte.

– Muito bem.

– Não é que eu não queira negócio com homem, veja bem. Deus me livre e guarde. Só que minha vocação, minha carreira ficam acima de tudo.

– Você tem experiência ?

– Que é que o senhor chama de experiência ?

– Experiência mesmo. Já transou cinema, teatro, expressão corporal, laboratório, essas coisas ?

Pensou para responder. Afinal:

– Sim e não.

– Sim e não, como ?

– Quer dizer, transei com gente ligada, mas não me deram chance pra começar.

– E vai logo começar de novela ?

– Olha, a base da novela hoje é naturalidade. Sou muito natural, o senhor tá vendo como eu sou natural. Se me contratarem eu tiro de letra. Aliás, eu treino sozinha.

– Como ?

– Eu ensaio lá em casa, no meu quarto. Já fiz vários papéis, e não era papel mole, de figurante. Fiz uma cena de Glória Meneses, que se ela visse ficava boba de admiração. Não é pra me gabar. Me considero tarimbada.

– Ótimo.

– O tempo que eu passo estudando as atrizes na tevê não está no gibi. É só pra elas que eu olho. Conheço tudo, olhar, sorriso, franzir dos lábios, cara de tristeza e cara de desejo de Maria Cláudia, Joana Fomm, Lúcia Alves, Débora Duarte … Quer ver ?

– Não precisa, minha filha. Eu acredito.

– Só uma amostrinha, pra provar que não estou mentindo.

– Está-se vendo que você não mente. Obrigado.

– Pois é. Ou eu entro na novela das 7 – qualquer novela, de qualquer época, eu sou como a Lucélia Santos, papel de escrava, de estudante, de garota fútil, eu topo – ou …

– Ou o quê ?

– Se não entrar, não sei o que será de minha vida.

– Não diga isso !

– Digo. Minha vida depende do senhor, neste momento. Uma palavrinha sua, e …

– E ?

– To contratada. Vamos, não me negue uma colher de chá. Eu sei que você pode fazer isso por mim. Desculpe o tratamento, saiu sem querer. Por que você não diz logo que vai me ajudar ? Por que não telefona logo pro pessoal da tevê ? Por que ficou assim, duro, engasgado, sei lá se descrente de minhas possibilidades ? Por que não confia em mim ? Diga, diga pelo amor de Deus ! Você é ruim, homem ! Você é íntimo do Daniel Filho e não quer mover uma palha em favor de uma pobre artista em potencial !

Tinha-se levantado, no ardor da interpretação, agitou os braços, deixou-se cair na poltrona, exausta, pela primeira vez silenciosa. Só então pude jurar-lhe, também por Deus, que não conheço Daniel Filho. Olhou-me com desprezo:

– Ah, é assim ? E porque não falou isso logo de começo ? Me enganar esse tempo todo ! E eu, feito boba, falando com a pessoa errada!

Tem cada uma na vida …

(Carlos Drummond de Andrade. Boca de Luar. R. J., Record, p. 41 – 43.)

Agradeço à Profª. Drª. Ingedore G. Villaça Koch o convite para o lançamento do livro:

Atualmente, Ingedore é professora titular do Departamento de Lingüística do IEL/UNICAMP, em cujos cursos de pós-graduação trabalha na área de Lingüística Textual.

Um ramalhete espiritual a quem tantos e tão belos segredos tem a nos revelar.

Fiquem com DEUS, boa Páscoa e até ao próximo domingo.

Comuniquem-se – celp@terra.com.br

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