Profª Teresinha Bellote Chaman (*)
Olá … bom dia … bom final de semana … O CELP CENTRO DE ESTUDOS DA LÍNGUA PORTUGUESA celp@terra.com.br – está sempre às suas ordens.
Que tal você começar a resolver os seus problemas com a Língua Portuguesa ?
Essa coluna está à sua disposição. Muitas pessoas já resolveram algumas dúvidas. Faça contato! Estamos iniciando um novo ano, ano de mudanças. Mude você também. Decida-se por falar, escrever e entender melhor a nossa língua. Você não pode imaginar que mundo novo está a sua espera.
"Infelizmente, quem lida com palavras,
que são elementos de consciência, não
não pode fazer naturezas-mortas nem
paisagens, nem sombras e sinfonias,
mais fáceis de disfarçar (pros outros)
o seu conformismo e não participação."
(Mário de Andrade)
NA ESCURIDÃO MISERÁVEL
Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o motor em funcionamento. Voltei-me e dei com os olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar, através do vidro da janela, junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente, encostada ao poste como um animalzinho, não teria mais do que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:
– O que foi, minha filha ? – perguntei, naturalmente pensando tratar-se de esmola.
– Nada não senhor -respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.
– O que você está me olhando aí ?
– Nada não senhor -repetiu. – Esperando o bonde …
– Onde você mora ?
– Na Praia do Pinto.
– Vou para aquele lado. Quer uma carona ?
– Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:
– Entra aí que eu te levo.
Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade, ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:
– Como é o seu nome ?
– Teresa.
– Quantos anos você tem, Teresa ?
– Dez.
– O que estava fazendo ali, tão longe de casa ?
– A casa da minha patroa é ali.
– Patroa ? Que patroa ?
Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria casa, servia mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.
– Hoje saí mais cedo. Foi jantarado.
– Você já jantou?
– Não. Eu almocei.
– Você não almoça todo dia?
– Quando tem comida pra levar, eu almoço: mamãe faz um embrulho de comida pra mim.
– E quando não tem?
– Quando não tem, não tem – e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser a de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos – um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamavam de sentimentalismo burguês:
– Mas não te dão comida lá ? – perguntei revoltado.
– Quando eu peço eles me dão. Mas descontam no ordenado, mamãe disse para eu não pedir.
– E quanto é que você ganha ?
– Mil cruzeiros.
– Por mês ?
Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro, tomado de indignação. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.
– Como é que você foi parar na casa dessa… foi parar nessa casa?
– perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua no Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:
– Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras e aí noutro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na casa dela então mamãe deixou porque mamãe não pode ficar com os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados pode parar que é aqui moço, brigado.
Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto.
(Fernando Sabino. In: Quadrante 2. R.J, Editora do Autor, p.88 90.)
Se você leu o texto acima, não apenas com seus olhos físicos, mas com os verdadeiros olhos, que são os da alma, torne a refletir:
Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos – um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamavam de sentimentalismo burguês.
Arregacemos as mangas, vamos à ação: ajudemos nosso próximo mais próximo.
O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu DEUS, era um homem.
(Manuel Bandeira)
Até à próxima semana.
Manifeste-se …
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