Há 10 dias, o almoço em casa foi especial, com minha irmã Loyde e meu cunhado Daniel, que fez 80 anos. O casal saboreou mais a torta que a Cilene fez, mas prá mim ela preparou meu prato predileto: omelete de jiló. Não me digam que é mau gosto! Prá mim, mau gosto é comer miolo de galinha, bucho, moela, cambuquira e guingombô. Omelete de jiló é ótimo!
Minha Mãe se deliciava com todos aqueles pratos esquisitos que citei, mas meu gosto é totalmente diferente do dela. A única comida de cidade que eu gosto é macarrão óleo e alho; meu negócio é comida de caboclo: virado de feijão, mandioca frita, omelete, purê de batata, arroz grudento e carne de vaca. Puxei meu avô Manéco e o gosto pelo prato predileto dele: omelete de jiló.
Mendel explicou isto em suas Leis da Hereditariedade. Devo comentar que existiram três Mendel, no século dezenove, sendo dois médicos alemães: Kurt Mendel foi um famoso neurologista e Félix Mendel foi quem inventou o chamado teste de Mantoux, injeção no antebraço para detectar contágio de tuberculose. As qualidades que passam dos pais para os filhos e netos foi estudada por Gregório Mendel, monge agostiniano nascido na Áustria.
Gregório Mendel, numa de suas leis genéticas, afirmou exatamente que certas características dos pais não pegam nos filhos. A gente pode herdar qualidades ou defeitos dos avós e, da mesma forma, ao invés de passá-los aos nossos filhos, podemos passá-los aos nossos netos e bisnetos tempos depois.
Meu Avô Manéco gostava de roupas vermelhas, inclusive lenços, e tinha a mania de alfinetar uma fita vermelha no costumeiro chapéu. Eu vivo comprando camisas vermelhas, herdei a cara dele e também o gosto pelo omelete de jiló.
A principal característica do Vô Manéco era ser contador de causos, mas eu não herdei o pique e a habilidade dele em todas as acrobacias que ele fazia quando trabalhou no famoso Circo Sarrazani. Nessa parte, sou uma cópia piorada dele, porque, de acrobacia, somente sei jogar diabolô, andar de perna-de-pau, jogar bolas prá cima, equilibrar uma bengala no nariz e andar na corda bamba. Trapézio, saltos mortais, equitação e pirâmides humanas, nem pensar!
O Vovô começou a contar os causos dele aos cinqüenta e poucos anos. Ele me disse certa vez, com seu sotaque acaipirado: "Guará, cê só deve contá os causo qui ucê tá neles, os pessoar gosta mais; eles tomém gosta quando escuita i sente vontade di ri ou di chorá…"
Nos finais de tarde de sábado e de domingo, ele sentava em sua cadeira de palhinha encostada na parede, com os pés dianteiros elevados, e contava lindas estórias para um punhado de pessoas que o rodeavam: homens, mulheres, jovens e até crianças. Com muita habilidade, ele contava de princesas, fadas, bruxas, doutores, roceiros, fábulas e fatos e enfiava a pessoa dele no meio como participante da aventura, em perfeita mixagem.
No dia do delicioso almoço que mencionei há pouco, concentrei meus pensamentos, mais uma vez, em meu querido Avô Manéco e decidi, neste último domingo de 2.001, colar aqui uma foto e copiar uma crônica dele.
De todas as que ouvi o Vovô contar, a que mais gostei foi uma dos tempos em que ele trabalhou como marinheiro comercial. Lá vai:
O navio com a turma dele foi certa vez para o Mar Mediterrâneo, com um carregamento destinado à cidade de Lyon, na França. Ancoraram no Porto Saint Louis du Rhône, pouco distante de Marselha. Meu avô e a marujada transferiram toda a carga do navio para seis barcaças e subiram o Rio Rhône, ou Ródano, até à cidade de Lyon.
Trabalho terminado, meu vô Manéco estava louquinho para conhecer Paris e convidou vários marinheiros. Ninguém topou e ele decidiu ir sozinho de trem, na base da aventura, sem saber falar nada de francês.
Chegando à Cidade-Luz, o maior e único desejo dele era visitar a Torre Eiffel. Muito imaginativo, ele parou um cara na rua, desenhou a torre num papel e fez gestos dando a entender que queria saber como chegaria lá. O homem da rua pegou o papel, olhou bem, virou-o do outro lado, escreveu umas 3 ou 4 linhas e entregou-o de volta pro meu avô sem dizer nada.
Manéco pegou o papelzinho e cercou outro homem que passava. Esse transeunte leu o que estava escrito e deu uma puta risada. Meu avô mostrou o papel a outros transeuntes e nenhum deles fez coisa diferente: apenas leram e riram gostosamente.
Por sorte, após ter caminhado a esmo, ele avistou a torre ao longe e pegou uma charrete naquela direção, pondo o papelzinho no bolso de sua camisa vermelha, vermelhíssima!
Ele me contou que viu a torre, passou a mão nela e se contentou com isto sem subir. (Não sei ao certo, mas acho que naquela época não haviam ainda instalado elevadores na Torre Eiffel…) De Paris para o navio, vovô pegou um trem direto, desembarcando no porto seis horas depois, sob um chuvisqueiro bem frio. Entrando no navio, ele tratou logo de tomar um banho quente e beber um copo de vinho para se aquecer.
Vestiu roupas secas e subiu ao convés, já estando o navio em plena navegação. Relaxando os nervos, ele se encostou num saco de lona, junto da amurada, e pegou no sono.
Cerca de duas horas depois, ele foi acordado justamente por um colega dele que sabia francês. Seria ele a solução para traduzir o que haviam escrito no papelzinho. Meu Avô Manéco levantou-se num salto para ir buscar o dito papel, que ele havia deixado no bolso da camisa.
Um marujo já havia levado a roupa dele prá lavanderia. Ele correu lá e logo avistou a camisa vermelha dele dentro dum tancão de água quente e espumante, onde outro marujo cutucava tudo com um pau comprido. Ele puxou a camisa e meteu a mão no bolsinho dela: o papelzinho estava meio esfacelado e todo borrado do vermelho da camisa, sendo totalmente impossível ler-se o que estava escrito nele…
Feliz Ano Novo a todos os leitores e saudações a meu Avô Manéco, esteja onde estiver !…