Vera Botta (*)
República e discriminação:
Controvérsias da (res) pública
Semana da proclamação da República. Mês da Consciência Negra. Fórum das Águas e de defesa do Aquífero Guarani. Paradoxalmente, aprovação pela Câmara dos Deputados da liberação do plantio e comercialização da safra da soja transgênica para 2004….Sem licença ambiental!!!
Violências simbólicas, violências diretas. O assassinato cruel de um casal de jovens, em pleno esplendor da juventude e da descoberta do amor nos causa indignação. A fragilidade da Segurança Pública nos assusta. Agressões à Polícia pipocam aqui e acolá. Defende-se o reforço das Guardas Municipais. Procura-se em portarias, como a do nosso Promotor de Justiça da Infância e da Juventude, Dr. Sílvio Mauro Sales regulamentar a entrada e permanência de crianças e adolescentes nas casas de jogos, possíveis portas abertas ao aumento da violência. Cautela não faz mal a ninguém, porém a violência tem aumentado.
A escalada crescente da violência
Como redefinir o enfrentamento à violência??? Com mais armas e com aparatos policiais mais potentes? A violência juvenil seria solucionada se a polícia estivesse mais presente nas escolas, nas ruas? Esta solução desarmaria o consumo de drogas entre alunos da rede pública de ensino? Ou se deveria investir em uma revolução cultural? Em novos modelos de escola? Ou a solução está em políticas dirigidas à inclusão social? Na valorização da família? Em perspectivas abertas aos jovens que têm liberdade assistida? Entre a retórica e a prática, há muitas contradições…E nossa República? O que tem sido feito de novo para reduzir a violência?
Violência que vai na contramão do futuro, das perspectivas de mudança. Temos tido respostas contraditórias dos poderes…Enquanto Lula reconhece a dificuldade de combater o crime organizado, porque tem o seu “braço político, o seu braço judiciário, o seu braço empresário, o seu braço na sociedade civil”, o governo de São Paulo afirma que tudo está sob controle e que toda a violência que perpassa os presídios e o cotidiano das famílias não passa de “crimes de natureza comum”. Ora, não é tapando o sol com a peneira que vamos fazer nossa República mais justa, na defesa dos direitos, da segurança, da vida.
República e discriminação andam juntas?
Estamos em novembro. Instituído em nossa Morada, o Mês da Consciência Negra – projeto de Lei do vereador Edmilson de Nola Sá – tem previsão de várias atividades comemorativas, de shows a debates, uma parceria entre Secretaria Municipal de Cultura e FUNDART. A valorização da consciência negra e a luta contra o racismo devem se dar o ano todo, não só em novembro. Abro um espaço nesta Coluna para perguntar: A comunidade negra tem motivo para comemorar?
Por mais que surjam comentaristas que reafirmem sistematicamente que a democracia racial existe, o olhar ao mundo do trabalho, da universidade, dos diferentes espaços de chefia contrariam esta afirmação. Não é demais reiterar que a escravidão e os efeitos perversos do racismo destruíram etnias, desvalorizaram valores e princípios religiosos afro-brasileiros. Afinal, o que mudou em toda esta história?
Zumbi ainda vive
É com este sonho e esta utopia que os movimentos negros seguem adiante sua história, com ideais diferenciados, trocando, algumas vezes, o engajamento político pela militância na arte, com compromisso social. Troca que não exclui, com certeza, a intervenção política, a luta por leis que tornem nossa República mais igualitária. Caminhos que se juntam, para que os ideais de Zumbi, herói símbolo da resistência negra, não reconhecido pela historiografia brasileira como personalidade histórica sejam alimentados e continuem vivos. Seu espírito (re) vive em toda comunidade.
O racismo é um vírus?
Tomo de empréstimo palavras de Milton Gonçalves, ator símbolo da causa negra no Brasil. “O racismo é um vírus inteligente: não mata o hospedeiro, fica adormecido e, de repente, ataca de novo”. A consciência negra tem, em Araraquara, uma história de lutas. Do 20 de novembro à emergente Ong FONTE – Frente Organizada Nacional de Temáticas Étnicas – propostas de ações afirmativas foram feitas e refeitas. De Palmares à Nossa Morada, o que mudou? Temos uma lei que combate a discriminação e o racismo, sancionada pela atual administração. A ela vinculada, foi criado o Conselho Municipal por uma sociedade menos racista. O Conselho quer uma melhor estrutura de comunicação para que a comunidade negra possa estar bem informada. Exige um censo que possibilite a identificação da comunidade afro-descendente. Quer discutir a implantação das leis de cota. Quer por em ação programas vários de combate à violência racista. Quer, acima de tudo, lutar para que este suposto vírus não seja tratado como erva daninha que renasce. Quer abrir caminhos para que a conquista da cidadania na república não passe pela cor da pele. A Coluna fica por aqui. A todos um bom 15 de novembro. Vivido com emoção, sem discriminação. Até a próxima!
(*) É vereadora pelo PT e colaboradora do JA.