Umbigo…… A Crônica nº 500

Somando as crônicas que escrevi aqui no Jota-A e umas poucas que publiquei em outros jornais, esta é a de número 500. A 1ª no Jota-A foi na edição de 01-06-1993.

Li outro dia, no suplemento da Folha de São Paulo, um relato em que se afirmou que Fulano deixou seu umbigo na cidade de Belém. Deu para entender que o Fulano nasceu lá em Belém. Gostei da expressão e isto me deu vontade de escrever hoje sobre UMBIGO e até lembrar que os moleques de minha vizinhança costumavam pronunciar "embigo" ou "imbigo".

Umbigo veio da palavra latina "umbilicus". Em inglês se diz "navel", porque tem outra origem. O interessante é que, entre as línguas de origem latina, somente em português a palavra umbigo começa com U, porque nas outras começa com O: "ombilic" em francês, "ombligo" em espanhol e "ombellico" em italiano. Sendo assim, não seria muito absurdo se em português fosse embigo.

Em Medicina, nós não usamos escrever a palavra umbigo num atestado ou num laudo. Nós escrevemos "cicatriz umbilical", porque é realmente uma cicatriz. É uma cicatriz que todos nós temos sem ter havido um ferimento. A gente diz todos nós, mas Eva, mulher de Adão, não teve cicatriz umbilical…

Os termos técnicos da Medicina são tomados do grego. Por isto a inflamação do estômago não é "estomaguite", mas é "gastrite". Umbigo em grego é "ônfalos" sendo "onfalite" a inflamação do umbigo, "onfalectomia" a operação para cortar fora o umbigo e "onfalocele" a hérnia de umbigo.

Antigamente, só no consultório era possível a gente fazer o diagnóstico de uma hérnia de umbigo feminino. Com a moda atual, posso fazer o diagnóstico dessa hérnia no meio da rua.

No final do ano passado, fui fazer parte de uma rodinha masculina perto da Prefeitura, levando um caderninho de anotações. Discretamente, olhei as barrigas das mocinhas e senhoras que por ali passaram, cujos umbigos estavam à mostra. Fui olhando e anotando até dar um total de cinqüenta umbigos com o seguinte resultado: umbigos bonitos 12 e umbigos feios 38. Entre os que achei feios, 3 deles estavam com brincos, 8 eram compridos verticalmente, 25 eram fundos ou fofos e 2 tinham hérnia como na foto da direita, parecendo uma bolinha…

Os músculos da barriga são forrados por uma nervura branca e resistente, chamada aponeurose, que tem um furo bem no meio. Durante a gravidez, é através desse furo que passa o cordão umbilical, ligando o corpo do bebê ao corpo da mãe. Quando o bebê está dentro do útero, ele recebe oxigênio, água e alimentos do sangue da mãe, através da placenta, bombeados através do cordão umbilical. Assim que ele nasce, já pode respirar, mamar e tomar água. O médico corta o cordão umbilical, deixando um coto de 5 ou 6 cm, que ele amarra para não ficar sangrando. O cordão umbilical, que é gelatinoso, vai ressecando e ficando preto, caindo após cerca de uma semana. Durante essa semana, às vezes mais dias, algumas coisas ruins podem acontecer: onfalorragia (sangramento), infecção, tétano (antigamente chamado "mal de sete dias") e hérnia.

Assim sendo, a hérnia do umbigo pode acontecer de nascença quando o furo da nervura da barriga é largo ou frouxo. Mas a hérnia pode surgir anos depois por causa do esforço físico ou após uma cirurgia abdominal.

Quando cai o coto do umbigo, fica uma feridinha que vai aos poucos cicatrizando. Ao mesmo tempo, secam totalmente as duas artérias e a veia que levavam o sangue do cordão umbilical prá dentro do bebê. Secando tais vasos internos, o lado de dentro do umbigo também cicatriza. Conclusão: o umbigo nada mais é que uma cicatriz por fora e outra por dentro que não se liga a nada, pois a cicatriz de dentro é como se fosse o lado avesso da de fora.

Durante muito tempo se fez muito tabu com o umbigo, porque as pessoas antigas achavam que o umbigo tinha algo importante do lado de dentro. Em muitos casos de queimaduras que tratei nos hospitais daqui de Araraquara, ouvi familiares dizerem: "Doutor, foi muita sorte não ter queimado o umbigo…" Ou então, assim que eu chegava para atender o caso: "Doutor, olha logo dentro do umbigo para ver se queimou…" Não tem nada a ver, pois o paciente queimado morre quando queima a pele toda ou quase toda, independentemente de ter atingido o umbigo.

Quando morei na Rua Cinco, minha vizinha de cerca tinha uma filha de 12 anos, gordinha, que vivia enfiando o dedo no umbigo. A mãe dela sempre gritava: "Luzia, não coça o umbigo, isto é perigosíssimo!…"

Esse conceito de perigosíssimo fazia com que muitas pessoas deixassem de lavar dentro do umbigo, muito menos, limpá-lo com cotonete. Tive um Professor na Faculdade de Medicina que fez um trabalho pesquisando micróbios que ficam no umbigo, uma verdadeira floresta existente nos umbigos mal lavados !

Atendi uma jovem certa vez, no Posto de Saúde (SESA). Ela me disse que havia desobedecido a mãe dela, que sempre lhe havia dito para não lavar o umbigo. Ela me disse que havia lavado com bucha e que agora, cada vez que tomava banho, sentia mexer por dentro… Examinei o umbigo dela e encontrei dentro uma semente de bucha que estava a ponto de brotar. Ao mostrar-lhe a semente, ela me disse que havia sido bom ter-me procurado porque a semente estava querendo entrar dentro da barriga dela… Ela havia desobedecido a mãe, mas no fundo tinha as mesmas crendices absurdas…

A exibição atual dos umbigos femininos tem sido vista pelos homens como um estimulante erótico. Ocorreu que, nos templos bíblicos, os homens já comentavam o erotismo umbilical. Quem tiver Bíblia, leia o que o grande rei polígamo Salomão escreveu em Cântico dos Cânticos 7: 2, comparando o umbigo feminino a uma taça redonda cheia de bebida.

Nessa linha de erotismo umbilical, hoje incrementada pelas mulheres, até com a colocação de brincos, sou levado a pensar que se o umbigo feminino fosse um pouquinho mais fundo e amplo do que aqueles 25 que anotei, e se o tabu não fosse tão forte, os casais já teriam inventado mais uma variedade sexual, que seria o "coito umbilical"…

Até à semana que vem, com a crônica nº 501!

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