Sair para conversar

Léo Rosa de Andrade (*)

Não via motivo, porém, sentia-se triste. É só isso, explicou-se. Meditou que a tristeza andava meio recusada pelo mundo: um sentimento interditado. Um sentimento, gritou em silêncio, mas as pessoas tomam remédio quando vem alguma tristeza, como se fosse doença. Ponderou beber.

Lera que uma dose fazia bem. Podia ser, respondeu-se, podia fazer muito bem, mas aí seria remédio, ideia de doença. Chegaria ao garçom: Uma dose qualquer, por favor, para fim de tratamento. Patético. Podia beber outro dia, e não seria por um motivo assim: variar sua emoção.

Deu-se consigo já telefonando. Nem tinha deliberado, contudo, pedia para conversar. Era uma vontade insistente, que se estabelecera à sua revelia. Desejava que fosse desde logo, em qualquer lugar agradável. Ela que escolhesse. Está bem, qualquer lugar, disse ela.

Espera, disse ele, sugeri que você decidisse, não me devolva. Não devolvi, ela disse, aceitei um convite: sair para conversar. Sua ideia, seu convite, sua escolha. Enfática. Ele cedeu, indicou. Ela discordou, propôs outro lugar. Ele irritou-se, mas falou calmo: Claro, não havia pensado; é melhor.

Dirigiu absorto. Estacionou com vagar. Saltou do carro. Despertou, retornou, ajeitou-se ao espelho. Subiu ao apartamento dela, foi recebido, serviu-se de uma dose de bebida. Olhou o copo, cheirou seu conteúdo, não o bebeu. Não aguardou muito. Prontamente ela apareceu.

Bonita, sorriu linda e falou simpática: Então, vamos? Ele apressou-se em atendê-la. Ela olhou para o copo servido e desistido. Nada perguntou. Ele notou que ela olhou e não indagou, e refletiu, meneando a cabeça: Ela devia ter falado alguma coisa, eu sei que ela pensou alguma coisa.

Preferiu calar. A vida tem dessas coisas: ela percebeu que ele percebera que ela havia percebido seu silêncio sobre o silêncio dela. Mas, falar nisso? Seria uma controvérsia interminável. Não cabia, de jeito nenhum. Ele notou que ela chegara a essa conclusão, e pensou provocar.

Diria que ela fugia de uma discussão: um erro, essas coisas se acumulam e estouram. Melhor não! A polêmica seria insuportável. Ele taciturno, ela sorridente. Moveram-se. Poucas palavras. Adentraram o restaurante; sem consulta, sentaram-se onde ele decidiu que se deveriam sentar.

Ele deslocou a cadeira, ela ajeitou-se. Ele a segurou suavemente pelos ombros, apertou-os com carinho, curvou-se, cheirou e beijou seus cabelos. Amava com paixão aquela mulher, admirava aquela mulher, queria aquela mulher. Deu volta à mesa, acomodou-se sorrindo, com vagar.

Ela esboçou um sorriso, sustentou-o, e fez um trejeito que expressava curiosidade. Emendou: Então? Conversar… O olhar dele passeou por lugar nenhum antes da resposta: Nada, ou não sei. Quando vi estava ligando. Queria sair, refletir, conversar, mas não é nada… só conversar.

Silencio, meiguice, olhares. As mãos se encontraram. Sob a mesa, ele despiu os sapatos. Discretamente, esticou uma perna, levou o pé pelos meios do vestido dela. Carícias em suas pernas e mais. Ela enrubesceu. Ele a desejou, pensou em se irem, namorar. Sorriu maroto. Conteve-se.

Por fim, suave, falou: Querida, eu tinha vontade… você quer conversar? Ela correu as unhas levemente pelas mãos dele, e disse: Não exatamente, mas sim… claro, vamos conversar. Disseram-se. Vinho, jantar, foram-se na noite. Já conversados, já conversar era desnecessário.

(*) É Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista.

Foto Ilustrativa Freepik

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