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Regina e Elza: sonho, romance e realidade

Rosa Godoy (*)

Como outros tantos milhões de brasileiros, nos últimos dias, não se consegue pensar em outra coisa. É só copa, penta, seleção… Até porque não deixam que a gente esqueça. Está na TV, no rádio, na rua, no jornal, na roupa das pessoas, em todos os lugares. Se um ET, de repente, caísse no Brasil e ao voltar para casa tivesse que descrever o país e sua gente diria: “O Brasil é só Aquilo e os brasileiros só pensam n’Aquilo”.

Não é diferente, à tarde, na cabeleireira. A conversa corre solta, enquanto a TV transmite ao vivo a chegada da seleção e reprisa os melhores momentos do mundial. O silêncio só impera quando Cafu, no alto do pódio, ergue a taça e grita: “Regina, eu te amo”. Quando retomam a conversa, a frase é o centro das atenções.

Nicinha, sexagenária, é só emoção: “Prá mim, esse foi o melhor lance”. Enche os olhos de lágrimas e continua a falar. Aos poucos, transforma-se em Regina, felizarda possuidora do coração e do troféu do guerreiro que, após sangrenta batalha, vence o dragão do mal (a cara feia do Oliver Kahn que o diga). Refeito, o guerreiro (agora Príncipe) a toma (Princesa) nos braços e um beijo sela o pacto de amor eterno. O final é inédito: num cavalo branco, eles rumam para o castelo encantado onde viverão felizes para sempre…

Todas as demais a olham, incrédulas, diante de tanto romantismo. Para que não se diga tratar-se de coisa de gente de antanho, Lulu acompanha a paixão da avó, partilhando o mesmo sonho. Parecendo uma gata que acabou de sair do pote de mel, emite um longo miado: “Eu achei liiiiiiiiindo! Até chorei junto, não foi, vovó?” Entre ambas, apenas o visual difere: a primeira, mais para Marilyn Monroe na maioridade, tenta esconder os brancos debaixo do loiro universal que as mulheres teimam em ostentar, a partir da quarta década. A segunda insiste para que caprichem na chapinha e transformem a cascata de caracóis que lhe inunda a cabeça num liso escorrido que ninguém diria não ser natural, nem mesmo a cor, da última moda (laranja ferrugem). É só não tomar chuva. Para completar, torce o nariz e mia (agora parece gata ferida) a resposta de Regina: “Ela disse que estava muito feliz e que amava ele também…” Só ele pode ser Príncipe. Regina, Princesa? Jamais!

Espantando as formigas (que já surgiam atraídas pelo melodrama), Zoraide, mãe de três filhos, sozinha, batalhadora (veio correndo fazer uma escova na hora do almoço, precisa chegar no horário, o patrão não gosta que atrase), entra na arena virtual. Arma-se do ceticismo, desenvolvido às custas das inúmeras rasteiras que a vida lhe deu e, metálica, dilacera o edílio: “Que amor que nada! De duas uma: ou tá doido pra sair do jejum de 50 dias imposto pelo Felipão e resolveu antecipar as preliminares, ou tá com dor na consciência… (imita chifres na própria cabeça). Vai saber o que pensa o cara numa hora dessas! Que não foi romantismo, lá isso não foi. Já caiu de moda faz tempo, oh! Ou então resolveu fazer média com a sogra. Ele tem cara de quem pula a cerca de vez em quando.”

Antes que as duas, ofendidas, reiniciem o embate, Jane arremata mansamente: “Nesse negócio tem de tudo. Prá uns é uma coisa, prá outros é outra. É só a gente esperar prá ver o que vai dar, não adianta discutir.” Ninguém entende nada, muito menos o que ela pensa mas, vindo da dona, o jeito é concordar, fazer cara de quem entendeu. Afinal, o cabelo é que não pode pagar o pato. Nisso, (silenciosamente) todas concordam.

Conversa vai, conversa vem, de cá e de lá as opiniões divergem, embora nenhuma consiga me convencer. Será só isso? Igualzinho criança que vai a programa de TV e manda beijo “prá minha mãe, pro meu pai e prá você” incluindo, obrigatória e invariavelmente, a apresentadora? A dúvida persiste: por que pessoas vindas de espaços de nítida exclusão social não conseguem articular um pensamento mais coletivo? Pelo menos para recompensar tantas noites de sono perdido, tanta reza, tanta torcida, de tanta gente… Que façam declarações de amor, que mandem beijos para a mulher, fisioterapeuta, filhos, mães, pais, irmãos, tudo bem, mas dedicar individualmente um título COLETIVO, fruto de um trabalho COLETIVO, empurrados por uma paixão COLETIVA, com (muito) dinheiro e esforço COLETIVO? Assim não dá, é demais… E nós – brasileiras e brasileiros – com o coração na boca, como ficamos? Depois, não adianta consertar. A gente queria mesmo era estar junto no pódio, ou pelo menos dar uma sentadinha lá embaixo, como os outros…

Ao chegar em casa, só para não perder o hábito, folheio (desentusiasmada) o jornal. Já sei o que me espera: futebol e mais futebol. Paciência! Na Ilustrada, o reencontro com Elza Soares me faz renascer das cinzas: “Minha história com o futebol foi intensa, vivi a Copa do Mané, em 62. Garrincha me deu aquela copa de presente (Assim mesmo ninguém viu Garrincha em cima do pódio gritando: Eu te amo, Elza!) Hoje, torço para que o Brasil ganhe, mas a cada jogo que acaba eu fico triste. Me sinto impotente, aí eu choro também. Vejo o povo unido para gritar gol e penso: por que a gente não fica a vida toda assim? Por que não se une para gritar por saúde, estudo, cultura, pelas crianças, para cantar? Aqui no Brasil é panela vazia no dia seguinte ao jogo.”

Ah, Elza, eterna diva da música brasileira! Depois de tanto tempo, havia me esquecido que você também é diva da vida… da vida de mulher. Que bom ainda ter gente como você neste país. Por isso, ele ainda tem jeito. Prá frente, Brasil!!!

(*) É Enfermeira e colaboradora do JA.

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