Reginaldo Galli (*)
Estimada madrinha: muito grato por haver anuído a meu convite e, assim, pautar esta primeira oportunidade de expressar-me em letra de forma. O tema sugerido “as mudanças e o que realmente mudou”, soou-me cheio de veneno, ainda mais pela procedência: a própria Diretora da Sucursal brasiliense dessa enorme FOLHA DE S. PAULO. Mas, pensando melhor, superado o receio de um mergulho em águas frias e revoltas (logo eu que mal flutuo na piscina aquecida), decidi vestir o escafandro, elevar preces e “meter os peitos” no misterioso reino de Netuno.
Sabe, Eliane, creio que a vitória de Lula foi oportuníssima e pedagógica. Ninguém mais agüentaria uma situação política em que Serra prosseguisse com a orientação macro-econômica de FHC, tendo nos calcanhares, a inviabilizar reformas, o ardor petista e o maneiro apoio “ma non troppo” da chamada base governista. Deixemos, por ora, que passem ao largo os iniciais desacertos de pessoas jejunas em administração pública e, ademais, deslumbradas com o “pudê”. Concentremo-nos na visão histórica da alternância: nossos patrícios bradaram NÃO ao PFL, aos dois PMDBs e até mesmo ao PSDB, cujo desempenho cumulou muitos méritos mas também foi incapaz de superar desafios dramáticos para as classes menos aquinhoadas. Você não é adepta da tese de que, após Lula, nunca mais o Brasil será o mesmo? Poderá tornar-se até pior, se os paredros insistirem nos efeitos especiais programados por Duda Mendonça e deixarem de cumprir os postulados a que vieram. Deus nos livre e guarde! Claro, claríssimo que o FOME ZERO fascina gregos e troianos, mas está longe de mitigar os verdadeiros desafios do pauperismo crônico, obra que ultrapassa a dedicada atenção de vários governos. Problemas sérios como os da água, energia, saneamento, educação, assistência médica e odontológica, emprego estável etc etc, estruturais, enfim, não se resolvem por mera vontade política, conquanto indispensável esta. Iludem-se, ou querem iludir-se, ou pretendem iludir-nos os que julgam uma beleza angariar recursos para “acabar com a fome”. Como diz um conhecido meu, a fome é “cotidiária”.
Então, Eliane, enquanto o povo estiver ungido por palavras mágicas, ideais altruístas e sentimentos piedosos, tudo bem, tudo ótimo. Quando começarem os conflitos de interesse, as resistências corporativas e os pleitos paroquiais, façamos figa para que venham realmente as já tardias reformas. Hoje, pouco importa à Nação que se arcabuzem o Governo e as alas radicais de seu partido maior. Você se lembra das palavras de Lula, naquela reunião para escolher candidato? “Se querem perder de novo, indiquem outro”. Foi para ganhar a eleição que o PT mudou, não foi ? Pois então, Eliane, se pra vencer virou centauro, pra manter-se virou girafa de duas cabeças. Nasceu o PTSDB e muitos contemplam, aturdidos, tão esdrúxula figura. Quanto a nós, resta-nos o sagrado direito à crítica, alma da DEMOCRACIA, e a expectativa patriótica de que a ESPERANÇA não sucumbirá ao vendaval das “esperânsias”.
(*) Professor e colaborador do JA
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