Reginaldo Galli
Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Berzoini: espero que estas mal traçadas linhas vão encontrá-lo no gozo de plena saúde, junto dos que tanto lhe querem bem. Vossa Excelência desculpe o atrevimento, mas não sou movido por interesse algum de ordem pessoal, antes seria apropriado divisar-se, nesta singela missiva, o altruísmo de quem sofre com a atual polêmica em torno da Previdência dos Servidores Públicos, ou melhor, das causas e possíveis soluções para o terrível “rombo”, alardeado por todos os órgãos de imprensa, como comprometedor do próprio futuro deste amado Brasil. Que árido problema! Poucos minutos de sua preciosa atenção para um antigo impasse, também aparentemente insolúvel, talvez lancem alguma luz digna de aplausos até pelos mestres-economistas que, com tantas notas baixas, nos condicionam, condenam, exploram e humilham:
“Encontramos, perto de um antigo caravançará meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:
— Não pode ser !
— Isto é um roubo !
— Não aceito !
O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
— Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos, como herança estes 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos e, a cada partilha proposta, segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça parte e a nona parte de 35 não são exatas?
— É muito simples – atalhou o Homem que Calculava – . Encarrego-me de fazer, com justiça, essa divisão, se permitirem que eu junte aos trinta e cinco camelos da herança este belo animal que, em boa hora, aqui nos trouxe!
Neste ponto, procurei intervir na questão: — não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem se ficássemos sem o camelo?
— Não te preocupes com o resultado, ó bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz. – Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.
— Vou, meus amigos … fazer a divisão justa e exata dos camelos que são, agora, como vêem, 36.
E, voltando-se para o mais velho dos irmãos: – deverias receber, meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar pois é claro que saíste lucrando com esta divisão!
E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou: – e tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.
E disse por fim ao mais moço: – e tu, jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, 4. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!
— Dos 36 camelos sobram, portanto, 2. Um pertence, como sabem ao bagdali meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança!” (apud MALBA TAHAM)
Excelência: o atual “rombo” de R$ 16,9 bilhões (números oficiais) seria facilmente liquidado se o Governo anexasse à cáfila o seu próprio camelo, isto é, os R$ 35,65 bilhões que, como contribuição patronal, deixou de passar à Previdência. É fácil fazer a continha: o eminente VIZIR Berzoini aplicaria a mais perfeita aritmética e, assim como o arguto Beremiz, mereceria um belíssimo jamal! Pense bem nisto, dedicado ministro, e considere, ainda, que maiores desestímulos aos funcionários do Estado acarretarão, em futuro muito breve, o sucateamento de toda a máquina, já tão deficiente quanto criticada: ensino, saúde, segurança, justiça, gestão, fiscalização…É ou não desejável a incorporação de “boas cabeças” ao serviço público, tal qual semearam e colheram os milagrosos “tigres asiáticos”? Afinal, a vocação deste novo Governo também é neo-liberalista? Não prometeu o aprimoramento racional do PODER ? Não exorcizou as privatizações, as terceirizações, o Estado Mínimo? À empresa privada continuaremos a oferecer nossos melhores talentos, após qualificá-los pelas Faculdades e Institutos oficiais?
No Líbano e na Síria mereciam o título de XEQUES os homens de prestígio que não pagavam impostos. Por estas bandas, eles abundam, Senhor Ministro, e não há ateu, agnóstico, cristão ou muçulmano que lhes dê xeque-mate! Poupe-se a classe média ou se terá comprometido irremediavelmente o futuro do País. As prometidas mudanças, aprovadas pela maioria da população, fizeram reboar um hino de esperança: “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!” Num é bem isso que a “jecada” desta lonjura tá escuitando por aqui, doutor… Ói!