Elias Chediek Neto (*)
A democracia brasileira, apesar das dificuldades de se impor, num país sem tradição de praticá-la, tem apresentado avanços. Boa parte da sociedade está mais crítica e consciente, o que acarreta maior cobrança e fiscalização do poder público.
Porém, nosso presente político ainda é falho e criticável.
Uma das principais mazelas que pude observar e procurei combater nesses quatro anos de mandato como vereador é o chamado “clientelismo”, vício cultural enraizado na maioria das Câmaras Municipais de todo o Brasil.
Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, clientelismo, “é um tipo de relação entre atores políticos que envolve a concessão de benefícios públicos na forma de empregos, vantagens fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto”. Ensina ainda que “o clientelismo se dá quando políticos com influência junto ao Executivo se aproveitam para distribuir benesses para seus eleitores”.
O jornalista Sérgio Praça, em recente artigo intitulado “Poder e Fraqueza dos Legislativos Municipais”, publicado na revista “Diálogos & Debates” de setembro de 2004, observa que, “as câmaras serão tanto mais clientelistas quanto mais abdicarem de suas principais funções: legislar sobre assuntos locais e fiscalizar o Executivo. Por quê? Por que, se o vereador legisla pouco e fiscaliza pouco, deixa o prefeito livre para aprovar as leis que lhe interessam e gastar o dinheiro do município como lhe for mais conveniente, sem a contrapartida de outro poder político, ferindo o ideal constitucional de equilíbrio e harmonia entre os poderes”.
No mesmo artigo, o jornalista cita outro dado interessante, trazido por Jofre Netto em sua dissertação de mestrado na Fundação Getúlio Vargas, sobre o tema, o qual enviou questionários a serem respondidos por vereadores de todo o Brasil. Ao final a principal conclusão foi esta: 61% dos vereadores brasileiros entendem que sua principal função é dar ao eleitor algum tipo de assistência, chamada pelo autor de clientelista. Em outras palavras, enquanto o Executivo legisla e gasta sem uma instância fiscalizadora, os parlamentares preferem gastar seu tempo contatando diretamente o eleitorado”.
Para ele, “o sistema é bastante simples: o prefeito precisa de votos para aprovar seus projetos e quer se ver livre de fiscalização; o vereador precisa de ações diretas junto à população. Então os parlamentares trocam facilmente votações encomendadas e um tratamento ameno com o prefeito pelos recursos administrativos de que necessitam para atender seu eleitorado”.
Um exemplo típico dessa prática foi descrita pela revista Istoé Online, em artigo intitulado “Políticos de Curral”, o qual dizia que, na cidade de São Paulo, certo parlamentar mantém uma salinha, onde ficam amontoados diversas cadeiras de roda com o nome dele, à espera de um doente. Já no estacionamento várias ambulâncias. “E para finalizar, sobre a mesa da assistente, páginas e páginas com os nomes, os favores e o crucial: se devolveu ou não a benfeitoria. Ronaldo, 28 anos, devolveu. Agradecido, cedeu o muro de sua borracharia para uma ostensiva publicidade do político, sem um pingo de remorso. Também pudera. Sua mãe tinha um quisto no seio e só conseguiu ser operada, depois de meses de espera em filas de hospitais públicos, quando o vereador interveio. A avó de Ronaldo, por sua vez, precisava de um aparelho auditivo. Não tinha dinheiro e foi enfrentar a fila para falar com o vereador, que chega a atender 50 pessoas num só dia. Saiu de lá com o aparelho na mão, sem despender um real sequer. Ele mesmo enfrentou problemas com os pneus de sua oficina deixados irregularmente sobre a calçada, para chamar a atenção de motoristas aflitos. Falou com o vereador e a liberação veio prontamente”. (“Istoé Online”, acessado em 12 de dezembro de 2004).
Como se vê, o clientelismo trata o povo como objeto e não como sujeito de direitos. Aquilo que o cidadão deveria ter direito, passa a ser uma benevolência da autoridade, que concede através do vereador. O munícipe deve ver o serviço público como um direito e não buscar com o vereador o que deveria obter com a rede municipal.
Já as Câmaras Municipais não devem ser um mero órgão decorativo da democracia brasileira. As prioridades do Legislativo, como de qualquer outro Poder da República, devem ser ditadas pela sociedade, refletindo suas necessidades e aflições.
Ainda não é dado aos legisladores municipais, como representantes do povo, a devida importância. O Executivo que concentra abusivamente poderes ofende tanto a democracia como os princípios liberais.
O combate ao clientelismo, como forma de dominação política, depende de todos.
(*) É Engenheiro Civil, Engenheiro de Segurança, Pós-Graduado em Gestão Pública e Gerência de Cidades pela Unesp. É vereador reeleito em Araraquara.